A Bíblia guarda mistérios. São trechos de difícil entendimento porque o texto bíblico foi escrito em outra época, onde os costumes e os usos eram bem diferentes dos atuais. E é preciso trabalhar de forma parecida com um detetive para resolver esses mistérios. Eu me explico.
Como a maioria das pessoas gosta de livros, filmes e séries de televisão de mistério, analisar os mistérios da Bíblia como um detetive faria acaba sendo também divertido. E a metodologia que deve ser usada, para fazer isso, é fácil de entender. E pode ser replicada por quase qualquer pessoa, bastando que ela tenha bom senso e raciocínio lógico.
São seis as regras que precisam ser seguidas para você poder agir como detetive dos mistérios bíblicos, todas elas bem simples:
Regra 1: não tire conclusões apressadas
Os bons detetives tomam cuidado para não tirar conclusões antes de terem colhidos todas as informações relevantes. Isso evita chegar a conclusões pré-concebidas, um perigo enorme nas investigações criminais. Afinal, quando o detetive tem pré-concepções sobre o que aconteceu, existe enorme risco de procurar encaixar as informações colhidas nas conclusões já estabelecidas desde o início. A abordagem correta deveria ser sempre ao contrário: é preciso usar as informações colhidas para tirar conclusões acertadas.
Portanto, nunca comece a estudar um texto bíblico imaginando que já sabe o que ele significa, mesmo quando for um texto já muito conhecido. Primeiro estude o texto, colhendo todas as informações que tiver sobre ele e, somente depois, tire as conclusões necessárias.
Um bom exemplo disso é o livro de Jó. A maioria das pessoas parte para a leitura desse livro imaginando que ele trata essencialmente do sofrimento humano. Mas, isso é uma pré-concepção. Quando se estuda esse livro com olhos de "ver", fica claro que sua mensagem também tem muito a ver com a graça de Deus (veja mais).
Regra 2: questione tudo
Num dos livros que conta as aventuras do famoso detetive Sherlock Holmes, esse personagem tentava ensinar seu parceiro fiel, o Dr. Watson, como ser um bom detetive. E Holmes perguntou a Watson quantos degraus existiam entre a entrada do prédio e a sala de estar do apartamento onde viviam, e Watson não soube responder. Holmes concluiu dizendo que esse era exatamente o problema. Watson olhava, mas não observava. Não colhia informações sobre aquilo que via.
Jesus disse a mesma coisa ao explicar porque as pessoas não entendiam as parábolas que Ele contava. Alertou que as pessoas tinham olhos, mas não viam, e ouvidos, mas não escutavam (Mateus capítulo 13, versículo 13).
Portanto, não leia simplesmente o trecho da Bíblia que estiver tentando entender. Analise-o com cuidado, prestando atenção na pontuação, nos trechos que vem antes e/ou depois da parte que lhe interessa mais de perto, quais as personagens envolvidas, quem fala o que, qual é o tom da conversa e assim por diante. Vou dar um exemplo.
Certa vez Jesus estava ensinando seus discípulos, quando sua família veio procurá-lo. Avisado da chegada dos seus familiares, Jesus apontou para seus discípulos e disse que sua mãe e seus irmãos eram aqueles que ouviam suas palavras e as seguiam (Mateus capítulo 12, versículos 46 a 50).
Uma análise superficial desse texto indicaria que Jesus rejeitou sua família. Afinal, ele parece não ter dado muita bola para aquelas pessoas. Mas, olhando com mais cuidado, dá para perceber que Jesus usou a figura da família de sangue para trabalhar a ideia da família espiritual. Entramos na família espiritual dele quando ouvimos e seguimos seus ensinamentos.
Ao falar assim, Jesus deixou claro que no mundo espiritual não há nepotismo. A família de sangue não é privilegiada no Reino de Deus, como acontece no mundo físico. Deus não tem netos, apenas filhos e filhas. E se não fosse assim, poderíamos chegar ao absurdo de ver alguém ser salvo apenas por ter laços de sangue com um pastor famoso.
Regra 3: os detalhes são importantes
Para um bom detetive, tudo tem importância. Qualquer detalhe conta. Sherlock Holmes resolveu um crime por ter notado que o cachorro da casa não latiu. Isso demonstrou para ele que o animal conhecia o assassino.
Certa vez Jesus chegou perto de uma figueira e procurou alguns frutos, em meio às suas folhas. Não encontrando, amaldiçoou a árvore, que murchou (Marcos capítulo 11, versículos 12 a 14). Isso parece meio estranho. Afinal, que culpa tinha a figueira de não ter dado frutos? Ainda mais que não estava na época certa.
Mas, há um detalhe importante nesse relato: a árvore tinha folhagem. E as figueiras somente exibem folhas quando já têm frutos. Logo, aquela era uma figueira “hipócrita”. Tinha a aparência, mas não os frutos concretos. Por isso ela foi amaldiçoada. E o exemplo da figueira serve para os cristãos. Não podemos ser hipócritas, tentando parecer aquilo que não somos.
Regra 4: mais evidencias são necessárias para esclarecer um mistério maior
Frequentemente, as pessoas querem tirar o mistério da sua frente e acabam aceitando qualquer resposta que parece razoável. E elas agem assim porque, normalmente, não gostam de ficar em dúvida. Querem ter certezas. Mas, essa é uma estratégia muito ruim, pois leva a erros.
Certa vez vi um estudo do capítulo 1, versículo 8, do Atos dos Apóstolos,. Nesse trecho da Bíblia, Jesus, já depois da sua ressurreição, diz para os apóstolos esperarem em Jerusalém a vinda do Espírito Santo. E essa chegada deu origem ao evento do Pentecostes. No estudo que li, o teólogo fez mais de 70 observações sobre o versículo antes de tentar explicar seu sentido. E o tal versículo, na tradução em português, tem apenas 30 palavras!
O autor buscou levantar todas as informações possíveis sobre aquele pequeno relato antes de tentar dar uma interpretação para ele. E isso trouxe muita segurança à sua conclusão. A interpretação que ele deu está de acordo com todas as informações 70 informações colhidas. Portanto, é muito difícil que ele tenha chegado à conclusão errada.
Não estou dizendo que você deva levar seu estudo da Bíblia nesse mesmo grau de profundidade. Mas, seria razoável colher algumas informações sobre um versículo ou conjunto de versículos, antes de se atrever a encontrar um significado para esse texto. Refiro-me a observações sobre a situação geral que estava acontecendo, a identidade das pessoas envolvidas, o passado delas e assim por diante. E quanto mais difícil for o texto sendo analisado, mais informações serão necessárias, pois o mistério é maior.
Mas, onde buscar essas informações? É para isso que existem os dicionários bíblicos, os comentários bíblicos, as notas de rodapé da sua Bíblia e outros recursos técnicos. E há muita informação boa de graça na Internet.
Regra 5: divida um mistério maior em pedaços menores
Passagens bíblicas difíceis podem parecer inacessíveis, especialmente se forem mais longas. Quando for esse o caso, procure quebrar o texto em frases (ou versículos) e ir procurando entender cada uma delas, passo a passo. Depois vá juntando cada pedaço ao todo.
E nunca se esqueça que os textos da Bíblia sempre dialogam entre si. Por exemplo, imagine que você conseguiu resolver o mistério da figueira amaldiçoada. Mas o sentido total do texto - que é uma crítica de Jesus à religião legalista e hipócrita - somente vai ficar claro quando você juntar esse texto a outros, onde ele enfatiza essa crítica.
Regra 6: prefira as soluções mais simples
Às vezes, existe mais de uma explicação possível para determinado mistério. Quando isso acontece, sempre que possível, prefira a explicação mais simples. As explicações mais complexas e rebuscadas costumam não ser muito boas.
Por exemplo, há uma passagem do Apocalipse onde aparece um animal terrível, cheio de chifres e coroas na cabeça, que emerge do mar, para dominar o mundo. Há uma linha de explicação que tenta compreender essa besta como um animal real, que se transforma em ser humano, por obra de Satanás. A outra alternativa imagina que a besta é o símbolo de um ser humano dedicado à obra de Satanás, sendo os chifres e coroas representações do seu poder.
Ora, a segunda explicação é mais simples, pois não postula a existência de um animal que nunca foi visto na natureza. Logo, ela é melhor.
Palavras finais
Portanto, nunca veja as passagens difíceis da Bíblia como motivo de frustração e sim como desafios. Como chamados para que você entenda melhor o texto bíblico e cresça no processo de aprender a lidar com a Palavra de Deus.
E tenha consciência clara que sempre há mais a aprender na Bíblia do que o conhecimento já adquirido. Mesmo os maiores estudiosos da Bíblia não conhecem tudo que há para saber sobre ela. Sempre há muito mais.
Abra sua mente aberta para ser desafiado pela Bíblia. E é essa capacidade de sempre surpreender que a torna tão especial e interessante. E mesmo método que um detetive usa para resolver determinado mistério, pode ser usado por você no propósito de entender a Bíblia mais e de forma melhor.
Com carinho