segunda-feira, 30 de novembro de 2015

AS MULHERES NÃO SÃO BEM TRATADAS EM MUITAS IGREJAS

Lucetta Scaraffia é uma historiadora italiana envolvida há muitos anos com causas feministas. Ela foi uma das 32 mulheres convidadas a participar do sínodo dos bispos da Igreja Católica sobre a família, realizado no mês passado. Seu relato mostra as dificuldades da Igreja Católica em lidar bem com as mulheres:

...O que mais me espantou nesses cardeais, bispos e padres foi sua perfeita ignorância sobre o sexo feminino, seu pouco conhecimento em relação a essas mulheres tidas como inferiores, como as freiras, que geralmente lhes serviam de domésticas... para a imensa maioria deles, o constrangimento sentido pela presença de uma mulher como eu era palpável... minha presença era no máximo tolerada... Bem que tentei dividir minhas impressões com as outras poucas mulheres presentes no sínodo, mas elas sempre me olhavam com espanto; para elas, esse tratamento dos homens era totalmente normal... A simplificação excessiva é uma realidade... todos falam em uma linguagem autorreferencial, quase sempre incompreensível para quem não pertence à "panelinha" do clero: "afetividade" para se referir a "sexualidade"... falam também em "arte do acompanhamento"... Quase todos estão convencidos de que basta um curso de preparação para o casamento para superar todas as dificuldades e talvez também um pouco de catecismo antes das núpcias.
Achei esse relato interessante porque toca em alguns problemas muito comuns a diversas denominações cristãs, inclusive as evangélicas - afinal, não é só a Igreja Católica que tem dificuldades em tratar bem as mulheres. Muitas igrejas continuam, até mesmo sem querer, reproduzindo comportamentos machistas, que alienam as mulheres. 

Dentre as muitas questões que poderiam ser levantadas com base no relato acima, separei duas, que vou discutir com um pouco mais de profundidade, pois acredito que resumem bem o problema como um todo: 

Falta de vontade de lidar com o problema real
A liderança religiosa do sexo masculino com frequência nem faz muito esforço para entender os sentimentos e as necessidades reais das mulheres. Não procura conhecer o problema real e assim não consegue lidar bem com ele. No caso da Igreja Católica, essa questão é ainda mais aguda porque os padres não são casados, portanto não vivem uma experiência - a vida matrimonial - que ensina muito os homens sobre a condição feminina. 

É justo dizer que em muitos casos até são feitos esforços para reduzir o machismo nas igrejas, mas como o problema não é corretamente entendido, as medidas tomadas mostram-se inadequadas - um bom exemplo é o que aconteceu com as mulheres convidadas a participar do sínodo da Igreja Católica, conforme o relato acima, que estavam lá apenas para constar, para "sair bem na foto". 

Gênero (masculino ou feminino) nunca deveria ser critério para escolha de lideranças dentro das igrejas cristãs. Simples assim. Afinal, o Novo Testamento está cheio de exemplos de mulheres que lideraram igrejas, como Priscila, e isso numa época em que a mulher de fato pouco representava em termos sociais. O que deve comandar a escolha de uma pessoa para a liderança religiosa são suas características individuais, seu chamado espiritual. Nada mais. 

Muitas igrejas, na tentativa de reduzir o machismo, procuram reservar um espaço de trabalho para as mulheres. O problema é que as funções normalmente reservadas para elas - como a decoração dos templos ou a ministração de aulas para crianças na escola dominical - são escolhidas por serem mesmo "coisa de mulher", acabando por perpetuar o machismo que esse tipo de atitude procura superar.  

Uma das piores consequências da discriminação é a geração de apatia entre as mulheres. A maioria delas acaba se conformando com essa situação e achando que as coisas precisam ser assim mesmo e não há muito a fazer. E quando isso acontece, a comunidade cristã perde uma parte importante das vocações espirituais com as quais poderia contar, pois as mulheres constituem cerca de dois terços dos frequentadores das igrejas - não é por acaso, portanto, que a Igreja Católica, onde esse problema é bem agudo, passe por uma grande crise de lideranças.

Interpretações distorcidas
Outro problema comum é a distorção da doutrina para facilitar a manutenção da visão machista. E há várias formas de fazer isso, como a simplificação excessiva de conceitos complexos ou a interpretação errada de ensinamentos bíblicos. 

No relato acima, a autora falou sobre a excessiva simplificação no trata de determinados assuntos delicados, como no caso em que os líderes católicos pensam ser suficiente um simples curso pré-matrimonial (umas poucas aulas durante um mês)  para dar aos noivos a orientação necessária para a vida de casado.

Conforme o relato, essa excessiva simplificação também passa pelo uso de jargão, onde são usadas palavras neutras, como "afetividade", para se referir a conceitos mais incômodos, como "sexualidade". Ora, sexualidade é certamente bem diferente de afetividade e tratar uma coisa como se fosse a outra só leva a conclusões e medidas erradas.  

As mulheres são particularmente prejudicadas por esse tipo de abordagem, por exemplo quando a discussão sobre sexualidade se limita a falar sobre "pureza". E das moças é cobrado um grau de pureza que não é exigido dos rapazes, caso claro de "dois pesos e duas medidas". 

Tem ainda a questão da interpretações erradas dos textos bíblicos, como por exemplo, na questão do papel da mulher dentro do casamento. A visão mais corrente no mundo cristão, especialmente entre os evangélicos, é que o marido deve ser o "cabeça do casal", sendo isso entendido como "o marido manda e a esposa obedece". Tal orientação distorcida infelizmente é alcançada a partir da interpretação equivocada de um texto do apóstolo Paulo, onde o conceito de "cabeça", usado para significar "origem", é usado com o sentido de "liderança" - já falei sobre isso em outro post aqui no blog.

São muitos os exemplos que poderia dar, mas penso que já deu para passar a mensagem que eu queria: a discriminação é uma realidade.  

Palavras finais
Há muito trabalho a ser feito para dar mais espaço e tratar melhor as mulheres dentro das igrejas cristãs. Fico triste com essa constatação, mas essa é uma realidade da qual não se pode fugir. 

E deixar de reconhecer isso só contribui para perpetuar a discriminação. Afinal, a solução de qualquer problema começa pelo reconhecimento da sua existência.

Com carinho

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

AS TRAGÉDIAS EM MARIANA E EM PARIS

Vivemos recentemente duas tragédias horríveis: o rompimento da barragem de uma mineradora em Mariana e o ataque terrorista em Paris. Ambas geraram muitas mortes e uma delas, a de Mariana, trouxe consigo também um grande dano ecológico, enquanto o ataque terrorista deixou um rastro de medo que vai afetar o futuro da França.

Ambos eventos foram terríveis e merecem repúdio de todas as pessoas decentes. Num dos casos uma empresa se mostrou irresponsável ao deixar de tomar os cuidados necessários com sua barragem - a tragédia poderia ter sido evitada pois não houve nenhuma circunstância especial para justificar o ocorrido como uma enchente gigantesca ou um terremoto. Por causa disso uma pequena comunidade sumiu do mapa e muitas cidades terão seu meio ambiente afetado por décadas.

O atentado em Paris foi diabólico - pessoas indefesas foram metralhadas em restaurantes e numa casa de shows. Muitas famílias tiveram suas vidas mudadas para sempre. Impressiona a decisão dos terroristas de causar o mal ao maior número possível de pessoas - é claro que há um propósito político nesse aparente desatino, mas nem vou entrar nessa discussão aqui.

Essas duas tragédias geraram enorme comoção nas redes sociais, com pessoas se manifestando com palavras emocionadas. E de repente começou uma "competição": qual delas deveria indignar mais as pessoas. Aquelas pessoas que se manifestavam sobre uma eram cobradas por não terem mostrado a mesma solidariedade com as vítimas da outra. Como se o mal pudesse ser medido, pudesse ser comparado. Como se a indignação num caso fosse mais justa do que no outro.

Ora, isso é um absurdo. Os dois casos são terríveis e tentar estabelecer uma escala do mal e ficar cobrando das outras pessoas que se comovam ou se solidarizem mais com uma ou com outra não tem o menor sentido. Sem contar, que tal tipo de julgamento dos outros foi condenado por Jesus.

É perfeitamente compreensível que uma pessoa com laços afetivos com Mariana ou cidades vizinhas certamente se senta mais tocada pelo que aconteceu lá e nada há de errado nisso. Uma pessoa que ame Paris e tenha raízes na cultura francesa pode ficar mais emocionada com o atentado e isso também é perfeitamente natural.

Aos olhos bíblicos, essa situação é explicada pelo conceito de "próximo" que Jesus usou quando contou a parábola do bom samaritano (Lucas capítulo 10, versículos 30 a 37). Ele ensinou que temos sim responsabilidades de solidariedade e fornecimento de ajuda com as pessoas próximas a nós. Agora, o conceito de "próximo" tem mudado muito a partir do advento da Internet e redes sociais. Você que lê este blog é meu "próximo(a)", embora possa viver até em outro país. E pode ser mais próximo(a) do que uma pessoa que more no mesmo bairro meu, mas a quem eu não conheça ou não cruze meu caminho.

O que nos foi cobrado é que façamos o possível pelas pessoas com quem temos contacto. O sofrimento dessas pessoas precisa nos afetar e precisamos ajudá-las no que estiver a nosso alcance. 

Isso não quer dizer que devemos desprezar outras tragédias, menos próximas de nós, física ou emocionalmente, mas se trata simplesmente de levar em conta que ninguém consegue abarcar tudo. Ninguém consegue se emocionar e se indignar com todo o mal que acontece no mundo. Simples assim.

Portanto, resta-nos lamentar ambas as tragédias e pedir a Deus que console todas as pessoas afetadas. E se pudermos fazer algo pelas pessoas afetadas - por exemplo, mandar água e roupas para as pessoas da região de Mariana - devemos fazer isso sem hesitar. Sem fazer comparações. Sem estabelecer escalas de importância. 

Com carinho 

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O SONHO DA MULHER DE PILATOS

De vez em quando, pessoas comuns, como você ou eu, são colocadas diante de situações que podem ter repercussões muito grandes. Por exemplo, os tripulantes do avião que transportou a bomba atômica lançada sobre a cidade de Hiroshima não tinham a menor ideia da dimensão do que estavam fazendo, tanto foi assim que o piloto apelidou o avião de "Enola Gay", nome da sua própria mãe, que acabou ficando tristemente famosa por causa disso.

Cláudia Prócula, esposa de Pôncio Pilatos, o Governador da Judeia que condenou Jesus à morte na cruz, passou por uma situação desse tipo. Cláudia vinha de família romana importante e foi o casamento com ela que abriu para Pilatos as portas para uma vida melhor. Ele subiu rapidamente no serviço público, culminando com a designação para governar a Judeia no tempo de Jesus.

Agora, para você entender o que aconteceu com ela é preciso falar um pouco sobre o contexto dos fatos que levaram à condenação de Jesus. Ele foi preso na madrugada de uma sexta feira por ordem dos líderes religiosos judeus. Esses homens tinham poder para prender e julgar qualquer judeu mas uma condenação à morte precisava, segundo as leis romanas, ser confirmada pelo Governador (João capítulo 18, versículos 28 a 31).

Os principais sacerdotes judeus estavam vivendo um dilema naquela oportunidade. Foram avisados por Judas Iscariotes (o discípulo que traiu Jesus) que haveria uma oportunidade para prendê-lo na noite de quinta para sexta feira. Segundo o relato bíblico, esse aviso chegou até os principais sacerdotes por volta de nove horas da noite de quinta. Eles levaram algum tempo para preparar tudo e conseguiram prender Jesus já na madrugada de sexta feira.

O dilema ao qual me referi consistia no prazo extremamente curto que eles tinham para julgar, condenar e executar Jesus - o prazo acabava às seis da tarde de sexta feira, pois aí começaria o sábado judaico e todo trabalho precisava ser interrompido. E havia um agravante: os judeus estavam comemorando na mesma data a Páscoa e, após o sábado, viriam mais 7 dias de feriado. Assim, se não conseguissem condenar e executar Jesus naquelas poucas horas, somente poderiam fazê-lo cerca de 8 dias depois.

Ora, durante a Páscoa, Jerusalém ficava lotada de peregrinos (a população era multiplicada por quase 10) e Jesus era uma figura muito popular por causa dos muitos milagres que tinha realizado. Quando a notícia da prisão d´Ele se espalhasse, havia grande risco de haver uma revolta popular, coisa que os principais sacerdotes judeus queriam evitar a qualquer custo. 

Portanto, antes de prender Jesus, os sacerdotes precisavam se assegurar que Pilatos iria confirmar a condenação à morte e que concordaria em fazer isso muito cedo, já na manhã de sexta feira. Assim, quando receberam o aviso de Judas Iscariotes, o sumo-sacerdote correu para o palácio do Governador, para conversar com Pilatos. 

A Bíblia não relata essa conversa, mas percebemos que ela ocorreu por várias razões. Primeiro, porque era a coisa lógica naquela situação. Depois, porque houve uma demora de mais de duas horas entre o aviso de Judas e a partida do grupo que foi prender Jesus, conforme fica claro na cronologia do relato bíblico - esse foi o tempo necessário para manter a conversa, tomar a decisão final e dar ordens à guarda do Tempo (que fez a prisão).

Como o sumo- sacerdote procurou o Governador já tarde da noite (as pessoas deitavam e acordavam cedo naquela época), o que era surpreendente, é natural que Pilatos tenha comentado o ocorrido com sua esposa, que também estava em Jerusalém ( a residência oficial do Governador da Judeia era na cidade de Cesareia Marítima).

Então, Cláudia foi dormir com a informação que Jesus seria condenado e executado na manhã seguinte, com a concordância de Pilatos. E aí ela teve um sonho para avisar Pilatos a não dar apoio ao que estava para acontecer. 

E estando ele [Pilatos] no tribunal, sua mulher mandou dizer-lhe: Não te envolvas com esse justo [Jesus], porque hoje em sonho muito sofri por seu respeito.                                                             Mateus capítulo 27, versículo 19
O sonho de Cláudia é mais uma prova de que ela sabia da conversa entre Pilatos e o sumo-sacerdote, ocorrida na noite de quinta feira, caso contrário o tal sonho não teria feito o menor sentido para ela.

Isso tudo deixa claro que, na manhã de sexta feira, ao acordar, Cláudia percebeu que Pilatos já saíra para tratar do caso de Jesus. Avisada em sonho, ela percebeu que estava diante de um momento que pode mudar toda a história de uma vida, conforme comentei no começo deste post.

Ela então decidiu mandar avisar o marido para não seguir em frente com o combinado pois isso traria maldição para sua vida. Pilatos recebeu a mensagem e realmente mudou de comportamento - o relato bíblico conta que ele tentou por várias vezes inocentar Jesus, chegando a oferecer trocá-lo por outro prisioneiro, Barrabás (Mateus capítulo 27, versículos 15 a 18).

Sua mudança inesperada de comportamento enfureceu os líderes judeus, que começaram a ameaçar Pilatos, dizendo que iriam denunciá-lo para o Imperador romano (João capítulo 19, versículo 12). E o Governador não teve personalidade suficiente e acabou cedendo à pressão. Num último gesto, tentou tirar a responsabilidade dos seus ombros, lavando de forma simbólica as suas mãos (Mateus capítulo 27, versículo 24).

Não adiantou: Pilatos passou para a história como o carrasco de Jesus e, a partir daquele acontecimento, sua carreira política foi por água abaixo - poucos anos depois ele acabou perdendo seu cargo e foi para o exílio, em desgraça perante o Imperador.

Uma pessoa comum - Cláudia - foi colocada numa situação desafiadora: sabia que seu marido ia cometer um ato muito grave e tentou evitar isso. Mas não teve sucesso.

É provável que Cláudia pudesse ter feito mais - talvez se tivesse ido pessoalmente falar com Pilatos, o resultado teria sido outro -, mas não podemos saber com certeza. O fato é que ela não conseguiu evitar a má ação do marido e acabou pagando um alto preço, pois as consequências ruins que vieram sobre Pilatos certamente também afetaram sua vida.

Fica aí um importante ensinamento: há momentos na vida onde não a pessoa não pode deixar de fazer a coisa certa, pois as consequências de um erro naquela situação podem ser desastrosas.

Com carinho

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

FAÇAM O QUE EU DIGO E NÃO O QUE FAÇO

Recentemente passei por experiência que tem tudo a ver com o título deste post. Ouvi mensagem onde a pregadora falou sobre fidelidade - cobrando das pessoas serem fiéis à mensagem do Evangelho em uma série de aspectos da suas vidas.

Sem dúvida, tal mensagem é correta e mesmo necessária. Afinal, infidelidade desagrada muito a Deus. Tanto é assim, que a Bíblia chama esse pecado de "prostituição" ou "adultério", acusação muito séria.

O problema não estava no conteúdo da mensagem, sem dúvida correto,  e sim na autoridade da pregadora em cobrar das pessoas que fossem fiéis. Conheço um pouco da história daquela pregadora e sei que ela não age assim na sua vida privada. Em outras palavras, cobra das demais pessoas aquilo que ela mesma não faz.

Como isso é possível? Na minha experiência, duas possibilidades explicam esse tipo de comportamento. A primeira é o auto-engano. Esse é o caso da pregadora à qual me referi - ela encontrou uma série de desculpas para si mesma, para justificar seu comportamento aos próprios olhos. Ela acredita que não errou e está tudo bem.

Auto-engano é uma arma muito poderosa. Permite que a pessoa faça uma monte de coisas erradas e ainda assim se sinta bem (veja mais) - muita gente faz isso, inclusive sem perceber. E a menos que alguém chegue para a pessoa que se auto-engana e a "sacuda", apontando-lhe seus erros, ela não vai "acordar" e corrigir seus caminhos.

A Bíblia tem uma história que fala sobre isso. O rei Davi adulterou com Bate-Seba e a mulher engravidou. Para esconder seu pecado, Davi mandou matar o marido de Bate-Seba e se casou com ela. E não se deu conta do que tinha feito - sei lá que mentiras contou para si mesmo. Até que o profeta Natã foi falar com o rei, a mando de Deus, para alertá-lo do seu pecado e Davi finalmente "acordou" (2 Samuel capítulo 12, versículos 1 a 10).  

Outra possibilidade que explica a pessoa pregar sobre algo que não pratica é a hipocrisia. A pessoa sabe que peca, que não tem moral, mas cobra dos(as) outros(as) o que não pratica pois não tem saída - precisa salvar a própria pele. 

Lembro do caso de um casal de pastores flagrado ao entrar em outro país com dólares não declarados, escondidos numa Bíblia. Acabaram confessando para a justiça daquele país o que tinham feito, sendo condenados e cumprindo pena de prisão. Mas aqui no Brasil, para seus seguidores, muito dos quais pessoas simples, sem acesso a essas informações, disseram que nada tinham feito de errado, que tudo foi armação, etc. Hipocrisia pura e simples. 

Vemos o mesmo acontecendo com um Deputado evangélico, flagrado com muitas contas no exterior, abastecidas com dinheiro de corrupção. Ele continua a afirmar que não tem dinheiro no exterior, embora haja documentos com a assinatura dele comprovando o contrário. E tem gente que acredita na sua versão dos fatos.

Hipocrisia infelizmente funciona. Existe um ditado que diz: "não é possível enganar todo mundo todo o tempo". Isso significa que sim é possível enganar poucas pessoas por muito tempo ou muitas pessoas por pouco tempo. E há muitos líderes religiosos que fazem exatamente isso e vivem muito bem.

Agora, a Bíblia alerta muito sobre essas questões. Por exemplo, Jesus foi muito duro com os(as) hipócritas(as) - chamou essas pessoas de "túmulos caiados de branco por fora e dentro cheio de podridão".  E disse que haverá muito rigor com essas pessoas no Julgamento Final.

No caso do auto-engano, a situação é mais sutil. A pessoa cria processos mentais que a fazem acreditar em algo que não é verdadeiro. Para corrigir isso, Deus manda alertas para essas pessoas, como fez com Davi. E cabe a elas aceitar ou sofrer a consequência dos seus erros.

Até agora abordei o lado de quem prega e não tem condições morais para fazer isso. Mas é como fica quem ouve esse tipo de pregação? Estou agora falando de nós, cristãos(ãs).

A primeira coisa a entender é que se formos exigir que os(as) pregadores(as) não tenham pecado para poder falar do Evangelho ninguém poderia falar nada - e eu não poderia escrever esse blog. Afinal, todo mundo peca. Sem exceção.

Deus escolheu transmitir seu Evangelho através de pessoas, mesmo sabendo que todas pecam, portanto, conhecia bem esse dilema. Não é surpresa para Ele.

O que então Ele espera de nós? Simplesmente que separemos o conteúdo da mensagem de quem a transmite - analisar aquilo que é falado e ver se está de acordo com a verdade ensinada por Deus na Bíblia, não importa quem tenha transmitido a mensagem. Entender que a credibilidade da mensagem é dada por Deus e não por quem a prega aqui ou ali.

O problema que vejo na separação entre mensagem e mensageiro(a) é a dificuldade em aceitar a mensagem como verdadeira quando o(a) mensageiro(a) perde a credibilidade. Tendemos dar à mensagem a mesma credibilidade do(a) mensageiro(a) e se ele(a) não tem credibilidade, a mensagem vai direto para o lixo.

Sei bem disso, porque já passei por essa dificuldade. Mas essa lição precisa ser aprendida: a mensagem tem que ser analisada nos seus méritos. Simples assim.

Isso também significa que não devemos depositar nossa esperança nos líderes cristãos, não importa quem sejam. Devemos seguir o Evangelho de Jesus.

Infelizmente, muitas pessoas acabam tão encantadas com determinados(as) pastores(as) que eles(as) se tornam sua referencia na vida - o que esses líderes afirmam acaba sendo a mensagem do Evangelho, não importa o que seja. Na cabeça dos(as) seguidores(as), o Evangelho acaba por se tornar equivalente ao líder que seguem

Mas isso é um grande erro pois cedo ou tarde esses(as) pastores(as) irão errar e mostrar seu lado pecador. É só uma questão de tempo. E aí os(as) seguidores(as) vão se sentir decepcionados(as) tanto com o seu líder como também com o Evangelho. E isso é muito ruim. Muito ruim mesmo.

Está aí um grande desafio para a vida cristã: entender que a mensagem de Jesus é o que importa de fato. E não quem a transmite num ou noutro momento.

Com carinho

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O CRISTÃO NÃO DEVE JULGAR NEM POLÍTICO CORRUPTO?

O noticiário na mídia é um show de horrores. Esquema após esquema de corrupção é desvendado e mais e mais pessoas - políticos (muitos deles evangélicos), empresários, funcionários públicos, diretores de estatais, etc - aparecem envolvidas. 

Tudo isso causa enorme indignação a quem é cristão(ã) verdadeiro(a) pois essa corrupção viola vários mandamentos de Deus, como aqueles que estabelecem ser proibido roubar, cobiçar o que pertence ao próximo ou dar falso testemunho. E em consequência são feitas críticas pesadas a quem tal tipo de procedimento errado. 

Mas, por outro lado, Jesus advertiu que é pecado julgar o próximo (Mateus capítulo 7, versículos 1 a 5). Como então reconciliar essas duas situações - as denúncias comprovadas de práticas pecaminosas com o mandamento para não julgar? Será que cristão(ã) não pode nem julgar políticos corruptos

E esse dilema fica ainda pior quando quem age errado é pastor(a). Aí junta-se à mistura o mandamento de não se tocar nos(as) ungidos(as) por Deus e fica quase impossível criticar quem quer que seja, não importa o que tenha feito.

Quando caiu o teto de uma igreja evangélica, matando várias pessoas ali reunidas em culto, eu critiquei, durante uma aula na escola dominical da minha igreja, os pastores responsáveis pela administração da igreja pelo seu descaso. E uma senhora mostrou-se inconformada com meu comentário e usou os dois mandamento de Jesus que citei acima para concluir que eu tinha pecado. 

Temos aí mais um exemplo do mal causado por teologia errada. As consequências ruins nesse caso são levar os(as) cristãos(ãs) a se calar, não levantar suas vozes contra o que acontece errado. Como prova do que acabei de falar, lembro que poucos líderes cristãos se levantaram para criticar o Presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, acusado de práticas de corrupção. 

Garanto a você que não é pecado criticar político corrupto, como também não o é apontar erros éticos cometidos por pastores(as). Fazer tal tipo de crítica em nada contraria os mandamentos para não julgar ou não tocar nos(as) ungidos(as) por Deus. E eu me explico.

O apóstolo Paulo ensinou que o(a) cristão(ã) deve julgar todas as coisas e reter o que é bom (1 Tessalonicenses capítulo 5, versículo 21). Ora, nessa única frase ele abordou três coisas. Primeiro, o(a) cristão(ã) deve colher informações sobre os fatos (as "coisas"), até porque não se pode avaliar algo sobre o qual nada se sabe. 

Depois, ele(a) precisa construir um juízo de valor ("julgar") o que aconteceu com base nas informações colhidas. 

Finalmente, o(a) cristão(ã) deve manter (concordar com) aquilo que for considerado bom e lançar fora (rejeitar) aquilo que não passar nesse teste.  

Paulo, portanto, incentivou o(a) cristão(ã) a julgar sim, mas fatos concretos. E Jesus disse a mesma coisa quando comentou que as pessoas devem ser avaliadas pelos seus frutos, ou seja, os resultados dos seus atos (Mateus capítulo 7, versículos 16 a 20). 

Então, o(a) cristão(ã) precisa avaliar as pessoas com base naquilo que fazem e nos resultados que obtém. E não há qualquer pecado em fazer isso. E isso também se aplica ao caso das pessoas "ungidas" por Deus, como pastores(as). 

O que Jesus quis dizer, quando nos proibiu julgar o próximo, foi fazer avaliações quando não há fatos concretos - por exemplo, quando uma pessoa julga as intenções de outra com base apenas nas suas percepções pessoais. Jesus alertou que as pessoas não conseguem conhecer de fato o que vai no coração umas das outras - as aparências sempre enganam. 

Voltando ao exemplo da igreja onde o telhado caiu, eu teria pecado se tivesse afirmado que o descaso demonstrado pelos pastores(as) deveu-se ao fato que eles(as) se importavam mais com o dinheiro do que com a vida dos frequentadores(as), coisa que não fiz. Afinal, não havia dados concretos para fazer esse tipo de avaliação- tudo poderia ter acontecido simplesmente por incompetência. Era possível afirmar que houve descaso porque a direção da igreja não seguiu a legislação pertinente, o que teria evitado a queda do teto e as mortes - esse era um fato concreto. Mas atribuir aos(às) pastores(as) tal ou qual motivação já ia além dos fatos e isso não poderia ter sido feito.  

Um outro exemplo interessante tem a ver com o depoimento do bicheiro Carlinhos Cachoeira numa CPI do Senado, cerca de 3 anos atrás. Ele declarou que somente estava falando ali porque tinha se arrependido, ao se converter a Jesus. As provas levantadas permitiam afirmar que aquele homem infringiu a lei e era um criminoso. Mas não era possível dizer que ele estava mentindo sobre sua possível conversão para conseguir leniência da justiça, como muita gente afirmou naquela época. Isso seria fazer o que Jesus proibiu.

Essa argumentação vale para todos os casos que temos visto na realidade brasileira atual. Vale para todo mundo envolvido nessas questões. Precisamos nos ater aos fatos e julgar as ações erradas das pessoas com rigor, à luz dos mandamentos da Bíblia. Mas devemos deixar a avaliação de intenções e outras coisas que escapam nosso conhecimento para Deus, pois Ele sim conhece o interior de cada ser humano.

Finalmente, gostaria de voltar à questão de não tocar nos ungidos de Deus. Quem disse que um(a) pastor desonesto(a), que não mostra respeito pelo seu rebanho, é ungido(a)? Só porque foi ordenado(a) pastor(a)? Pensar assim é confundir duas coisas: a ordenação, como ato administrativo conduzido pela direção de uma denominação cristã qualquer, com a unção de Deus. São coisas bem diferentes.

Um(a) pastor(a) ordenado pode ser ungido por Deus e acredito que muitos dentre eles(as) o sejam. Mas nem todos são - muitos(as) não têm condições morais para cumprir tal tipo de ministério. É uma pena, mas essa é a verdade nua e crua.

Líderes cristãos que se apresentam como ungidos(as) de Deus, e em paralelo agem de forma reprovável, estão na verdade se apossando de uma unção que não foi derramada de fato sobre eles(as). Simples assim.  

Com carinho