terça-feira, 29 de setembro de 2015

A MENTIRA A RESPEITO DA MENTIRA

O pecado da mentira provavelmente é mais evidente no campo da política do que em qualquer outra área da sociedade humana, pelo menos no que se refere ao Brasil. Os níveis de mentira nessa área são tão altos que é comum os(as) políticos(as) mentirem até sobre suas próprias mentiras anteriores, isto é quando pegos(as) na mentira, mentem de novo, afirmando com convicção que foram mal interpretados na sua declaração anterior.

Como o mundo da política é pautado pela mentira e hipocrisia, todos(as) que nele habitam acabam perdendo credibilidade diante da opinião pública, mesmo quando tentam ter comportamento diferente. E é muito difícil mudar esse estado de coisas.

Agora, somos rápidos em identificar a mentira dos(as) outros (as) - como a dos(as) políticos(as) -, mas menos abertos a reconhecer o mesmo problema em nós mesmos. Mesmo a Bíblia advertindo que a mentira é um dos pecados mais comuns.

Por exemplo, quando chegamos atrasados, é mais fácil culpar o trânsito do que reconhecer que saímos tarde de casa. Quando não queremos falar com alguém, é mais confortável pedir para dizerem que não estamos em casa ou andamos ocupados(as). E assim por diante.

O fato é que a mentira é frequentemente o caminho mais fácil para sair de situações sociais desconfortáveis. O problema é que mentir pode acabar se tornando um padrão de comportamento, como ocorre na política. E a falta de compromisso com a verdade corrói a ética do ser humano e pode gerar desdobramentos muito ruins. 

Mas há quem procure se desculpar afirmando que as mentiras sociais (como alguns dos casos citados acima) não são muito sérias - seriam "brancas", isto é sem maiores consequências. Eu mesmo pensei assim durante bom tempo.

O problema é que mentiras, mesmo "brancas", podem gerar situações ruins inesperadas e as coisas simplesmente escapar ao controle. Lembro do caso de um conhecido que estava passando temporada nos Estados Unidos. Ele recebeu convite para uma festa pelo correio, coisa comum por lá. Não foi, por alguma razão pessoal, mas quando questionado, mentiu, dizendo que o Correio não tinha entregue o convite em tempo. O dono da festa, indignado, acionou o Correio na justiça e o mentiroso teve que reconhecer o que tinha feito e ficou desmoralizado.

A Bíblia nos conta várias histórias de pessoas que mentiram por razões variadas e os resultados relatados sempre foram muito ruins para os(as) envolvidos(as), direta ou indiretamente.

Por exemplo, Ananias e Safira mentiram para os apóstolos quando afirmaram que tinham entregue para eles todo o resultado da venda de um terreno, embora tivessem guardado parte do dinheiro. Naquela época, isto é no começo da história da igreja cristã, os(as) convertidos(as) mantinham seus bens em comum e o casal quis aparentar estar cumprindo com sua obrigação, mesmo mantendo parte do dinheiro como segurança pessoal. Ananias e Safira acabaram punidos com a morte.

Davi adulterou com Bate-Seba (que acabou grávida) e para esconder as consequências do que tinha feito, armou uma cilada para matar o marido dela e acabou severamente punido por Deus (2 Samuel capítulo 12).

Os líderes religiosos judeus mentiram sobre a culpa de Jesus, para conseguir sua condenação e execução em tempo recorde (veja mais) e acabaram atraindo desgraça para si mesmos e seu povo.

Os exemplos são incontáveis porque a mentira é um hábito muito comum. Eu poderia ficar aqui muito tempo contando as diferentes histórias bíblicas que falam sobre esse tema, como a mentira dos filhos de Jacó para o pai (quando venderam José como escravo); a mentira do próprio Jacó para Isaque, visando roubar a benção destinada ao irmão Esaú; a mentira de Judas Iscariotes para Jesus, no episódio da sua traição; e assim por diante.

O hábito de mentir é muito comum e essa questão precisa ser reconhecida com sinceridade e enfrentada com mais seriedade pelos(as) cristãos(ãs) verdadeiros(as). É isso que Deus espera de nós.

Com carinho    

domingo, 27 de setembro de 2015

O JARGÃO DOS EVANGÉLICOS

As verdades que Deus nos revela precisam ser descritas em linguagem humana. Não há como evitar isso. E a linguagem humana tem diversas limitações, dentre as quais quero ressaltar as modificações sofridas ao longo do tempo, seguindo as variações do contexto cultural - basta comparar uma Bíblia em português de cerca de 100 anos atrás com outra em linguagem atual para perceber que parecem dois textos distintos. 

E essa evolução da linguagem humana pode gerar bastante confusão, por diversas razões. Em primeiro lugar, porque às vezes uma mesma palavra ou expressão pode ser usada para significar coisas distintas. E frequentemente um dos novos significados acaba por "atropelar" o significado original. 

Quando eu era garoto, "batismo do Espírito Santo" ocorria quando a pessoa aceitava Jesus e o Espírito Santo passava a habitar nela. Sabíamos, naquela época, que há outra experiência possível com o Espírito Santo, quando a pessoa, já convertida, recebe uma unção especial para realizar a obra de Deus, também conhecido como "revestimento de poder". Agora, principalmente nas igrejas pentecostais e carismáticas, essa segunda experiência espiritual tornou-se tão importante que passou a ser chamada de "batismo do Espírito Santo". E esse uso acabou por se popularizar no meio evangélico. 

Hoje as duas experiências são chamadas indistintamente de "batismo no Espírito Santo" e o pior é que nem dá para dizer que o uso da expressão num caso ou no outro está errada.

Outra fonte de muita confusão é o jargão evangélico - palavras que têm significado especial somente para aqueles que pertencem a essa comunidade. 

O uso de jargão é comum em vários grupos sociais, como entre os jovens, os médicos ou o pessoal de informática. E muitas vezes esse jargão "aportuguesa" as palavras diretamente do inglês, como p. ex. no caso de "deletar" (que vem de do inglês "delete"). E assim ocorre também com os(as) evangélicos(as) - parece que eles(as) falam uma linguá diferente do restante da população.

O jargão evangélico é curioso pois mistura palavras da Bíblia com conceitos modernos e expressões que vem do inglês. Por exemplo, a palavra "levita" se refere na Bíblia a um homem descendente de Levi, filho de Jacó. Os sacerdotes saiam todos desse grupo de homens, mas muitos levitas se limitavam a cuidar de tarefas corriqueiras no Templo de Jerusalém (vigilância, limpeza, etc). Nas igrejas evangélicas hoje em dia, "levita" passou a significar uma pessoa que trabalha na área de música, ajudando a conduzir o louvor.

"Varão", na Bíblia, era palavra usada para se referir a qualquer pessoa do sexo masculino. Mas em algumas igrejas evangélicas, passou a ser usada para se referir a um homem verdadeiro servo de Deus. E já é comum usar a palavra "varoa" (horrível, por sinal) para se referir às mulheres na mesma condição. 

A palavra Gospel quer dizer Evangelho em inglês. Mas hoje é usada para tudo que se refere às atividades ou coisas relacionadas com o mundo evangélico - assim, temos música gospel, roupa gospel, balada gospel, carnaval gospel e assim por diante. Quando o termo "gospel" é usado junto a um substantivo, passou a significar um selo de aprovação para uso no meio evangélico.  

O jargão evangélico é muito extenso. Vejamos alguns outros exemplos para ajudar quem não está acostumando com esses termos: 
  • "Benção pura": coisa muito boa.
  • "Está na benção": está tudo bem, tudo certo.
  • "Está no óleo": semelhante ao anterior.
  • "Não tocar no ungido": não criticar ou fazer alguma coisa contra um(a) pastor(a), mesmo que ele(a) dê motivos para isso.
  • "Graça e Paz": forma de saudação cristã, retirada das cartas de Paulo.
  • "Gadita": aquele(a) que participou do "Encontro com Deus", um tipo de retiro especial com fins evangelísticos.
  • "Célula": pequeno grupo de pessoas sendo discipuladas que normalmente se reúne na casa de alguém.
  • "Peniel": lugar abençoado, onde Deus se faz presente.
Quando o grupo de pessoas é homogêneo (p. ex., todos são da mesma denominação cristã e todos são jovens), há pouca confusão com o uso de jargão. Mas quando o grupo é heterogêneo, o jargão pode gerar erros sérios de comunicação - eu já vi isso acontecer diversas vezes.
 
É interessante lembrar que Jesus sempre tomou cuidado de adaptar seu discurso à plateia do momento. Quando ele pregava nas pequenas vilas da Galileia, usava exemplos tirados da vida rural, cuja realidade era conhecida por todos(as). Quando ia para Jerusalém, usava imagens mais urbanas. E nunca usou jargão - sempre empregou as palavras no seu significado mais geral, entendido por todos(as).

Mas não é bem assim que seus seguidores fazem e o uso do jargão é hoje amplamente difundido e não acredito que isso venha a mudar. Pelo contrário, mais e mais palavras são continuamente agregadas ao jargão evangélico.

Se você ouve pregações de pastores de diferentes denominações cristãs, tome cuidado para ter certeza que entendeu bem o que foi dito. Procure se informar bem do significado das palavras usadas - por exemplo, entre no site do pastor ou da igreja e leia textos referentes ao assunto ou pergunte a quem saiba. Eu faço isso com frequência e essa providencia simples já me evitou vários embaraços.

Com carinho  

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O QUE ACONTECEU NO DOMINGO DA RESSURREIÇÃO

Existem quatro relatos dos acontecimentos no dia da ressurreição de Jesus, devidos a Mateus, Marcos, Lucas/Atos dos Apóstolos e João. 

Como era de se esperar cada um deles contém detalhes que faltam aos demais. Por causa disso, às vezes fica difícil ter uma ideia clara da ordem cronológica dos acontecimentos pois não existe um relato global que junte todas as peças do quebra-cabeça. 

E é isso que tentei fazer neste post, com base nos textos de Mateus capítulo 28, Marcos capítulo 16, Lucas capítulo 24, Atos dos Apóstolos capítulo 1 e João capítulos 21 e 22.

Jesus foi crucificado numa sexta feira e enterrado numa gruta, às pressas, quase ao cair do sol, ainda antes do início do sábado judaico. E o corpo lá ficou até domingo bem cedo. E aí os fatos que discuto aqui tiveram início. 

Ao raiar do dia, Maria Madalena e algumas outras mulheres (Maria, mãe de João e Tiago, Salomé e outras), todas discípulas de Jesus, foram até o tumulo onde Ele estava enterrado, por que entendiam que o corpo não tinha sido adequadamente preparado, conforme as tradições judaicas em vigor, por causa da pressa em enterrá-lo.

Chegando ao local do sepulcro, viram com espanto que a pedra que selava a entrada da gruta tinha sido removida e os guardas romanos não estavam no local. Maria Madalena foi a primeira a reagir e, apesar do medo que sentiu, aproximou-se e foi olhar dentro do túmulo - era preciso se abaixar para fazer isso -, enquanto as outras ficaram à distância. 

Olhou e viu que o corpo não estava mesmo ali. Viu ainda dois homens, que pareciam anjos, sentados no local onde o corpo estivera. Ora, na cultura judaica, o corpo é extremamente importante - tanto assim que os judeus não cremam cadáveres - e o desaparecimento do corpo de Jesus deve ter dado um nó na cabeça de Maria Madalena, mulher simples, sem muita sofisticação mental. 

Confusa, Madalena gritou para suas companheiras que viessem ver por elas mesmas - sem dúvida, naquela situação era mesmo preciso ver para crer. E ela se afastou do local, sem saber bem o que fazer. Ficou andando pelo jardim onde o túmulo ficava, tentando colocar os pensamentos em ordem e decidir o que fazer.

Foi aí que Jesus lhe apareceu pessoalmente e se fez conhecido por ela - Madalena teve assim a enorme honra de ser a primeira pessoa a ver e falar com o Cristo ressurreto. Inicialmente ela ficou confusa - a ressurreição era uma possibilidade impensável - e imaginou que o homem que se aproximou para lhe falar era o jardineiro. Isso demonstra bem que havia diferenças do Cristo ressurreto em relação ao homem Jesus que ela tinha conhecido tão bem.

Depois de falar com Jesus e se emocionar profundamente, Madalena saiu correndo, deixando as outras mulheres para trás, pois queria contar tudo para os apóstolos - todos estavam em Jerusalém, aterrorizados quanto às possíveis consequências do que tinha acontecido com seu Mestre para a segurança deles próprios.

Enquanto isso, ainda no local do sepulcro, as outras mulheres finalmente juntaram coragem para se aproximar da tumba e ver o que tinha acontecido. E testemunharam que o túmulo estava mesmo vazio e certamente também ficaram desorientadas.

Foi quando os dois anjos se aproximaram delas e lhes anunciaram que Jesus tinha ressurgido dentre os mortos e que iria encontrar os apóstolos na Galileia.

As mulheres resolveram nada contar do que tinham visto e ouvido -  é importante perceber que o testemunho das mulheres, naquela época, não tinha credibilidade. Assim, elas tinham medo de serem ridicularizadas ao relatar fatos tão surpreendentes.

Foi aí que Jesus também falou com elas e reforçou o recado que os anjos tinham dado - Ele iria ver os apóstolos, com mais calma, na Galileia, longe da pressão política de Jerusalém. Afinal, a Galileia era a terra natal da maioria dos apóstolos e eles ali encontrariam apoio e cobertura.

Enquanto isso, Pedro e João, já alertados dos fatos por Maria Madalena, já vinham correndo em direção ao túmulo, para verificar tudo pessoalmente. Quando chegaram lá, confirmaram tudo mas não viram Jesus pessoalmente.

Ao mesmo tempo, o grupo de mulheres chegou até os apóstolos e repetiram o relato de Maria Madalena. Os apóstolos responderam que Pedro e João tinham ido até lá pessoalmente e não se mostraram muito dispostos a acreditar no que tinham ouvido, como era de se esperar.

Aí Pedro e João voltaram e confirmaram o relato que o túmulo estava vazio. E o clima entre os apóstolos mudou totalmente, de tristeza e preocupação com seu futuro, para a euforia, pois finalmente eles se deram conta de que estavam testemunhando algo extraordinário.

A notícia correu como um rastilho de pólvora pela cidade de Jerusalém e, naturalmente, chegou aos ouvidos das autoridades religiosas judaicas, sempre preocupadas em manter a situação política sob controle. Tendo confirmação que o corpo desaparecera mesmo, os sacerdotes subornaram os guardas que tinham estado tomando conta da tumba, para que dissessem que tinham dormido e os discípulos aproveitaram esse descuido para roubar o corpo. Prometeram também proteger os guardas caso seus superiores viessem lhes cobrar a responsabilidade por aquela infração - a pena num caso como esse era a morte.

No meio da tarde, dois discípulos de Jesus, um deles chamado Cleópas, foram até Emaús, vilarejo que ficava a cerca de 12 km de Jerusalém. Provavelmente pretendiam espalhar naquele vilarejo as boas novas da ressurreição. Os dois foram pela estrada debatendo o significado dos acontecimentos tão extraordinários.

Então apareceu outro homem, que se juntou à conversa. O interessante é que o homem desconhecido contou para eles que aqueles acontecimentos estavam previstos na Bíblia dos judeus (o nosso Velho Testamento).

Chegando a Emaús, Cleópas e seu companheiro pediram ao desconhecido para pernoitar com eles, pois tinham gostado muito da conversa anterior. E durante a refeição comum, o desconhecido tomou o pão, o partiu e deu graças, assim como Jesus fizera tantas vezes. E somente aí, Ele foi reconhecido pelos discípulos, em meio a grande alegria. Mas Jesus não permaneceu com eles.

Os dois discípulos voltaram correndo para relatar o que viram - eles foram os primeiros homens a ver Jesus ressurreto. Enquanto faziam seu relato, o próprio Jesus apareceu no meio deles e chegou a ceiar ali - foi nessa oportunidade que Tomé duvidou da ressurreição e Jesus lhe permitiu que colocasse os dedos nas sua feridas, conservadas mesmo no seu novo corpo.

Aí termina o relato dos acontecimentos do domingo da ressurreição. Jesus voltou a aparecer para os discípulos na Galileia, conforme tinha prometido e chegou a comer com eles - foi nessa oportunidade que Pedro foi perdoado de ter negado a Jesus, depois de confessar, por três vezes, que amava seu Salvador.

Ao longo de 40 dias, Jesus fez outras aparições: para Tiago, seu irmão, para um grupo de cerca de 500 pessoas, para Pedro individualmente e outras mais, embora as datas em que esses fatos aconteceram não sejam referenciadas no relato bíblico.

Durante essas aparições, além de provar que tinha ressuscitado, Jesus encorajou os discípulos e lhes explicou qual tinha sido sua missão no mundo. E antes de subir aos céus, Jesus lhes deu instrução para voltar para Jerusalém e aguardar ali a chegada do Espírito Santo, o que se deu no dia do Pentecostes (nascimento da igreja cristã).

Finalmente, Jesus subiu ao céus, de Betânia, local onde moravam Marta, Maria e Lázaro - essa aldeia fica ao lado do monte das Oliveiras, a leste de Jerusalém. Jesus desapareceu entre as nuvens e dois anjos vieram para os discípulos avisar que Ele não estava mais nesse mundo e voltaria (da mesma forma como viram-no desaparecer), no final dos tempos.

Com carinho

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

QUAL O CONTEÚDO VERDADEIRO DO NOVO TESTAMENTO?

O “mercado” de livros sobre a Bíblia está cheio de relatos alegando que existem outros evangelhos, além dos quatro incluídos no Novo Testamento, e que se eles tivessem feito parte do Cânone, a história e a doutrina do cristianismo seriam totalmente diferentes. 

Por trás disso tudo, além de enormes interesses comerciais, pois livros que criticam o cristianismo vendem muitíssimo bem, existem também algumas questões que precisam ser consideradas com seriedade. 

Os críticos do cristianismo alegam que a relação de livros incluídos no Novo Testamento somente foi definida mais de dois séculos depois do ultimo livro (Apocalipse) ter sido escrito. E como o processo de escolha foi demorado, ele teria sofrido muitas influências (inclusive políticas, devidas ao Imperador romano Constantino) que distorceram o resultado final. 

Alegam esses(as) estudiosos(as) que por causa dessas influências indevidas, teriam sido deixados de fora do Novo Testamento textos muito importantes, como o Evangelho de Tiago ou o Evangelho de Judas. 

Mas será que isso aconteceu mesmo? E se não foi assim, quem fez a escolha sobre o que seria incluído?  

A autoridade apostólica   
A resposta cristã tradicional para essas perguntas é afirmar que o Espírito Santo guiou as pessoas que fizeram essa escolha, garantindo que a Bíblia tivesse exatamente o conteúdo determinado por Deus. 

Eu acredito nisso, mas essa não é uma boa resposta para aqueles(as) que não são cristãos(ãs). Afinal, há aí um raciocínio circular, uma falha de lógica: sabemos que a Bíblia foi inspirada pelo Espírito Santo porque isso está escrito nela. Em outras palavras, usamos o que está escrito na Bíblia para validá-la, o que é incoerente. É preciso encontrar uma resposta melhor, que não fuja à lógica e ela, felizmente, existe. 

No final do primeiro século da nossa era, quando o último livro do Novo Testamento foi escrito, as pessoas tinham acesso, nas suas igrejas locais, aos textos mais populares do Novo Testamento, como os quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João) e algumas cartas de Paulo (como Romanos ou 1 Coríntios). 

Mas também estavam disponíveis para as pessoas outros textos, que hoje nem estão no Novo Testamento, como o “Pastor de Hermas”. Como ainda não havia uma relação canônica de livros integrantes do Novo Testamento, havia muito risco de serem ensinadas doutrinas conflitantes, como de fato aconteceu. 

Mas quem tirava a dúvida das pessoas quanto à doutrina certa? A resposta tem a ver com a chamada "autoridade apostólica". Os apóstolos tinham recebido seu ensinamento diretamente de Jesus e tinham autoridade espiritual inconteste no meio cristão por causa disso. 

A autoridade especial atribuída pelos(as) cristãos(ãs) aos apóstolos pode ser percebida no Atos dos Apóstolos (capítulo 1 versículos 21 a 26 e capítulo 15), em 1 Coríntios (capítulos 4 e 5) ou ainda em Gálatas (capítulo 1, versículos 1 a 12). Esse fato tem, portanto, farta atestação histórica.

Quando os apóstolos morreram, ficaram no seu lugar seus discípulos diretos, chamados de "Pais da Igreja". E a autoridade dessa segunda geração de líderes cristãos vinha dos seus mestres, os apóstolos. 

Coube aos Pais da Igreja, ensinar e guiar as pessoas na direção da doutrina certa e foram eles que lideraram o processo de escolha de quais livros seriam ou não incluídos no Novo Testamento.

O critério para inclusão
O critério usado pelos Pais da Igreja para incluir um texto no Novo Testamento foi sua relação direta com algum apóstolo. Quando era possível definir que o texto tinha sido escrito por algum deles ou por um de seus discípulos reconhecidos, ele tinha o "selo" de autoridade e era incluído. Caso contrário, não. 

E é importante lembrar que Paulo sempre foi incluído no restrito grupo de apóstolos, pois o entendimento geral era que ele tinha sido instruído diretamente por Jesus, através de visões, mesmo não tendo convivido diretamente com Ele.

Vários textos foram imediatamente aceitos por toda a comunidade cristã como canônicos. Esse é o caso dos quatro evangelhos canônicos, atribuídos a apóstolos (Mateus e João) ou a discípulos muito chegados a eles (João Marcos e Lucas). O próprio apóstolo Pedro, num dos seus textos, reconheceu que os escritos de Paulo, embora difíceis de entender, eram canônicos (2 Pedro capítulo 3, versículos 15 e 16). 

Isso significa que a controvérsia entre o que deveria ter sido ou não incluído no Novo Testamento não foi tão grande como os(as) críticos(as) do cristianismo querem fazer crer. A discussão ficou restrita a poucos livros, como p. ex. o Apocalipse e a carta de Judas (que entraram); o Pastor de Hermas e a Didaque (que não entraram).

E na discussão sobre se um texto era canônico ou não, o critério da origem apostólica sempre foi invocado. Veja o que um dos líderes da igreja, falou por volta do ano 150, sobre o "Pastor de Hermas": 
"[O autor] Hermas escreveu bem recentemente, na nossa época, na cidade de Roma... Logo, embora o texto deva ser lido, sem dúvida ele não deve ser lido publicamente para o povo da igreja pois não pode ser contado entre os profetas (seu número já está completo) nem entre os apóstolos (pois já passou o tempo deles)."
Outro líder da igreja, Serapião, disse por volta do ano 200: 
"Nós, irmãos e irmãs, recebemos Pedro e os demais apóstolos como teríamos recebido o próprio Cristo. Mas aqueles escritos que são falsamente atribuídos aos seus nomes, nós somos cuidadosos em rejeitar, sabendo que nenhum desses escritos deveria ter sido passados para nós."
A questão debatida não era se o conteúdo de determinado texto incomodava essa ou aquela pessoa. Se determinado texto tinha ou não apoio do Imperador. Nada disso. Os(as) críticos(as) estão errados. 

A preocupação sempre foi a mesma: saber se o texto em questão tinha sido escrito por quem tinha autoridade espiritual, evitando fraudes. Só isso.

E foi por essa causa que os evangelhos de Tiago e Judas ficaram de fora: eram fraudes pois foram escritos muito mais tarde, não podendo ser atribuídos aos próprios apóstolos ou aos seus discípulos diretos. E o mesmo aconteceu com o Pastor de Hermas, a Didaque e alguns outros textos.

Eu não tenho espaço aqui para discutir a história de cada livro incluído no Novo Testamento - explicar quem escreveu, quando e dar as razões pelas quais foi aceito no Cânone. Mas há excelentes textos didáticos que fazem exatamente isso - se você estiver interessado(a), me escreva que eu terei prazer em passar as referências.

O que importa aqui é que você saiba haver razões de sobra para que cada um dos livros tenha sido incluído no Novo Testamento, mesmo aqueles que foram alvo de alguma controvérsia, como o Apocalipse.

É claro que acreditamos que todo esse processo foi inspirado e dirigido pelo Espírito Santo - isso nos traz ainda maior certeza quanto à correção do que aconteceu. Mas não é preciso acreditar nisso para defender o Novo Testamento, conforme expliquei acima.

Portanto, pode confiar na sua Bíblia: ela é a verdadeira Palavra de Deus. E você tem em mãos o texto que precisava ter, nem mais e nem menos.

Com carinho

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O PERIGO DE FALAR DO QUE NÃO SE ENTENDE

O conhecido escritor Luis Veríssimo, muito respeitado nos meios intelectuais, numa coluna publicada no "O Estado de São Paulo", em 17/03/13, que levou o sugestivo título "A loucura de Deus", procurou fazer um contraste entre a "igreja cristã segundo Pedro", mais mística; e a "segundo Paulo", legalista e intolerante. Para Veríssimo, é o segundo modelo que domina o panorama cristão atual, mas a igreja segundo Pedro nunca foi derrotada, pois nela está a essência da mensagem de Cristo.

Para comprovar sua tese, Veríssimo apresentou uma citação de Paulo, tirada de 1 Coríntios capítulo 3, versículo 19: "Porque a sabedoria deste mundo é loucura para Deus". Segundo Veríssimo, a declaração de Paulo significa descompromisso proposital da fé cristã com a razão e por causa disso sempre há disputas entre a ciência e o cristianismo. 

Essa situação é muito comum: alguém que é uma autoridade em determinado assunto é convocada para pontificar sobre tema totalmente fora da sua especialização. E o que essa fala, embora quase sempre sem muita base, acaba tendo enorme peso junto à opinião pública. E tome Prêmio Nobel da Paz dando palpite sobre economia ou laureado em Física falando sobre como Deus age.

Veríssimo é um intelectual respeitado mas entende muito pouco de teologia cristã e fez uma leitura totalmente equivocada do texto bíblico. 

Em primeiro lugar, não é verdade que existiu uma igreja mística, de Pedro, e outra legalista, de Paulo. A discordância que existia nos primórdios da igreja cristã, conforme relatos dos Atos dos Apóstolos e Gálatas, foi entre a igreja judaizante e a dos gentios. 

A igreja dos judaizantes queria forçar que os novos convertidos, quase sempre gentios (não judeus), seguissem com rigor a Lei Mosaica - circuncisão, respeito ao sábado, proibição de comer inúmeros tipos de alimentos, etc. Enquanto isso, a outra linha de pensamento defendia que o sacrifício de Jesus tinha superado tudo isso e sua aceitação como Salvador era suficiente para qualquer pessoa tornar-se cristã.

O líder da linha judaizante era Tiago, irmão de Jesus, que contou com o apoio de Pedro (Gálatas capítulo 2, versículos 11 a 21). Já Paulo defendia a conversão das pessoas livre das regras da Lei Moisaica. E no primeiro Concílio da Igreja cristã, em Jerusalém, a linha de Paulo venceu e foi adotada, tanto que não precisamos hoje obedecer as imposições da Lei Mosaica.

Portanto, foi Paulo que lutou contra o legalismo. Foi ele quem defendeu a salvação apenas pela Graça de Deus. Portanto, a crítica de Veríssimo foi absurda e injusta. Prova apenas seu desconhecimento dos fatos.  

Ainda mais, o versículo citado por Veríssimo nada tem a ver com o incentivo de Paulo para os(as) cristãos(ãs) abandonarem o entendimento, a razão. Basta ler a carta aos Romanos, cuidadosamente escrita por ele, onde usou da lógica para ensinar a doutrina cristã. Ou seu discurso em Atenas, no Areópago, quando discutiu de igual para igual com os filósofos gregos (Atos dos Apóstolos capítulo 17, versículos 16 a 31).

O que Paulo quis dizer nesse versículo é que as escolhas de Deus são diferentes das humanas. Seus princípios morais são frequentemente diferentes e chegam a não fazer sentido para nós - por exemplo, quando Ele pede para amarmos os nossos inimigos. Por isso as coisas de Deus parecem "loucura" para a sabedoria humana.

Outro aspecto importante é perceber como esses intelectuais têm preconceito contra o cristianismo. Isso está refletido na forma como vê a igreja cristã hoje em dia: os "bons" (os de Pedro) foram derrotados pelos "maus" (os de Paulo) - conforme mostrei, isso é uma fantasia pura e simples.

Não devemos nos intimidar quando essas "autoridades" tentarem desacreditar o cristianismo, usando o peso do seu conhecimento em outra área qualquer. Não devemos nos irritar e partir para ofensas e críticas pesadas a quem faz isso, pois isso só nos torna intolerantes aos olhos da opinião pública. 

Devemos sim juntar argumentos lógicos e responder, desacreditando a declaração errada, como acabei de fazer acima. Só isso.

Com carinho

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

JESUS E A MULHER SAMARITANA

[Jesus] foi a uma cidade da Samaria, chamada Sicar ... cansado do caminho, assentou-se junto da fonte. Era quase a hora sexta. Veio uma mulher tirar água. Disse-lhe Jesus: Dá-me de beber... Respondeu-lhe a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou samaritana? (porque os judeus não falam com os samaritanos). Jesus disse-lhe: Se tu soubesses... quem é o que te fala... tu lhe pedirias e ele te daria água viva... Qualquer que beber desta água tornará a ter sede; mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede... Respondeu-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água, para que não mais tenha sede... Disse-lhe Jesus: Vai, chama o teu marido, e vem cá. A mulher respondeu: Não tenho marido. Disse-lhe Jesus: Disseste bem... porque tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido... Disse-lhe a mulher: Senhor, vejo que és profeta... Eu sei que o Messias vem; e quando ele vier, nos anunciará tudo. Jesus disse-lhe: Eu o sou... Deixou, pois, a mulher o seu cântaro, e foi à cidade, e disse àqueles homens: Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Porventura não é este o Messias? João capítulo 4, versículos 5 a 30 
O relato do encontro de Jesus com a mulher samaritana é muito rico em ensinamentos e não seria possível estudá-los todos num único post. Por isso vou me concentrar em apenas três deles:

O relacionamento de Jesus com a mulher samaritana
Os primeiros ouvintes dessa história foram judeus, pessoas que viviam num ambiente cultural bem diferente do nosso. E para aquelas pessoas, o relato do encontro de uma mulher com um homem sedento, à beira de um poço, apontava para uma situação bem conhecida: o homem estava em busca de uma esposa e a encontra junto ao poço - por exemplo, foi assim que Jacó encontrou Rebeca (Gênesis capítulo 29, versículos 9 a 14) e Moisés conheceu Zípora (Êxodo capítulo 2, versículos 16 a 21). 

Assim, o relato deve ter despertado muita curiosidade desde o começo pois todos sabiam que Jesus não tinha se casado. Havia algo de intrigante naquela história. 

E não foi por acaso que o autor do relato fez questão de encaixar nele a informação que a mulher samaritana estava no sexto relacionamento, ou seja era imprópria para ser esposa de quem quer que fosse. Ou seja, há uma reviravolta na direção do relato - deixa de haver expectativa de um relacionamento de cunho amoroso.

Aí o relato volta a surpreender pois passa a descrever a formação de um relacionamento entre Jesus e aquela mulher, só que de cunho inteiramente espiritual. A mulher aceitou Jesus como o Messias de Israel e passou a dar testemunho sobre Ele - na verdade, ela é a primeira pessoa no relato bíblico a fazer isso.

Temos aqui uma pessoa que aceitou Jesus e passou a confessá-lo publicamente e essas são exatamente as condições para salvação descritas em Romanos capítulo 10, versículo 9. Em outras palavras, aquela mulher se converteu, passando a ter uma relação espiritual com seu Salvador, como acontece com cada um(a) de nós.

Jesus aceitou a todos(as)
Judeus e samaritanos não se davam bem, conforme o texto acima atesta, por diversas razões. Samaria era habitada por um povo de sangue misturado (israelitas com gentios) e os judeus não toleravam isso. Os samaritanos não reconheciam o Templo de Jerusalém como o ponto principal de culto a Deus e também tinham diferenças em relação aos livros que aceitavam como canônicos. 

Por causa disso tudo, os samaritanos eram detestados pelos judeus, que se recusavam até a falar com eles. Jesus tinha, portanto, todas as razões para não falar com aquela mulher e ela mesmo se surpreendeu que Ele tenha feito isso. 

Além disso, aquela mulher era tida como uma devassa por causa dos seus inúmeros relacionamentos amorosos. E nenhum judeu estrito seguidor da sua religião se dignaria a ter qualquer tipo de contato com ela. E Jesus certamente surpreendeu a todos ao ter mantido uma conversa amistosa com ela, falando-lhe do seu ministério e se revelando como o Messias.

Há aí um importante ensinamento: Jesus não discriminou as pessoas. Aceitou a todos que vieram até Ele, não importando sua etnia, origem social e nem mesmo os seus pecados passados. Basta lembrar que Jesus aceitou a conversão de um dos malfeitores pregados em cruzes ao seu lado, mesmo esse homem tendo reconhecido que estava sendo punido com justiça (Mateus capítulo 27, versículos 38 a 44). 

O que sempre importou a Jesus foi a sinceridade do coração da pessoa que se dirigia a Ele e a capacidade dela de se arrepender dos seus erros. 

Infelizmente, a maioria de nós não é assim. Somos rápidos em apontar os defeitos e pecados dos outros, lentos em perceber os nossos e mais lentos ainda em perdoar. Na verdade, pessoas que cometem pecados considerados mais graves dificilmente são perdoadas pela comunidade cristã onde militam - sempre serão olhadas meio de esguelha.

Jesus soube usar cada oportunidade 
Repare que durante a conversa entre Jesus e aquela mulher, ela rapidamente reconheceu seu erro - sua vida estava longe de ser exemplar. 

Mas Ele não perdeu tempo em ficar criticando o passado dela, repisando seus erros, dizendo-lhe que era corria o risco de ir para o inferno. Nada disso. Bem diferente do que vejo os líderes religiosos fazerem hoje em dia.

Agora, isso não quer dizer que Jesus aprovou o comportamento da mulher samaritana - repare que foi Ele quem provocou o tema. Mas não perdeu tempo com discursos moralistas e usou a oportunidade para falar construir algo positivo - a conversão da mulher. 

E esse é mais um ensinamento importante: precisamos usar bem as oportunidades que se apresentam diante de nós. Precisamos nos preocupar em construir coisas positivas, em mudar a vida da pessoa que se abre para ouvir o Evangelho de Jesus. 

A mudança de vida das pessoas não se dá pelo medo de ir para o inferno - essa abordagem somente leva à hipocrisia e/ou à revolta com Deus. Ela se dá pela convicção íntima de que é preciso mudar, que os caminhos atuais não são bons. Que há coisa muito melhor à frente, se a estrada tomada passar a ser outra.

Com carinho