terça-feira, 30 de setembro de 2014

OS QUATRO TIPOS DE AMOR


"...Se não tiver amor, nada serei. O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal e não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade, tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba..."                                 1 Corintios capítulo 13
A passagem acima é muito conhecida e se deve ao apóstolo Paulo. E ninguém falou melhor sobre o amor verdadeiro do que ele. 

Acontece que esse texto é muito usado em casamentos - já perdi a conta das vezes em que vi isso acontecer. Mas Paulo falou que o amor que estava descrevendo não arde em ciúmes. Ora, não há nada que mais "arda em ciúmes" do que o amor entre um homem e uma mulher. E quem diz o contrário, nunca amou. 

Será que Paulo errou na sua descrição, talvez por não ter sido casado? Na verdade, Paulo estava falando de outro tipo de amor. E é um erro de interpretação usar 1 Corintios 13 para falar do amor entre homem e mulher.
 
Esse erro de interpretação tão comum nasceu, na verdade, na tradução do texto original do Novo Testamento do grego koine para o português. O problema é que existem quatro palavras ("eros", "storge", "philia" e "agape") no grego que são todas traduzidas pela mesma palavra em português, "amor". E somente o contexto permite saber do que o autor está falando em cada situação particular. 

O problema de não conseguir encontrar a palavra adequada numa língua quando se traduz da outra é muito comum. Por exemplo, a palavra saudade praticamente não existe fora do português. Outro exemplo é a palavra "chuva" que no japonês pode ser traduzida de 20 diferentes formas.

A seguir explico melhor os quatro diferentes sentidos que a palavra "amor" pode ter na Bíblia. 

Eros
É o amor que existe entre homem e mulher, incluindo os aspectos sexuais. A Bíblia descreve com bastante propriedade esse tipo de amor no livro Cântico dos Cânticos, escrito por Salomão. A palavra paixão descreve uma parte desse amor, o seu aspecto mais físico, mas o amor "eros" vai além disso. 

O "eros" é um amor exigente, pois espera retribuição. Quer exclusividade e sofre muito com o ciúme.

Storge
É o amor existente entre uma mãe e seus filhos ou entre irmãos. Mas não seria errado dizer que também está presente no amor de uma pessoa pelo seu cachorro. 

Uma palavra no português que descreve um pouco melhor o amor "storge" é "afeição", mas essa tradução não é perfeita, pois "storge" tem um sentido mais forte do que "afeição".

"Storge" talvez seja o tipo mais simples de amor. Não exige exclusividade e nem retribuição. É universal pois todas as pessoas esperam receber tal tipo de amor e quando isso não ocorre, sofrem grande trauma emocional - basta ver os problemas que existem entre pais e filhos(as).

Uma característica interessante do amor "storge" é que ele lida mal com a mudança. Para os pais, os filhos nunca crescem e os filhos não gostam muito de ver mudanças nos pais – por exemplo, um novo amor "eros" na vida da mãe ou do pai.

Philia
Esse termo se refere ao amor que existe entre amigos. É semelhante à amizade, porém mais forte. Por exemplo, o Novo Testamento fala que Jesus amava o apóstolo João e o termo usado é exatamente "philia". 

É o amor que deve existir dentro de uma comunidade cristã e também o que mais se aproxima daquele que haverá entre as pessoas salvas, no Paraíso. 

O amor "philia" também pode existir entre marido e mulher ou entre irmãos e certamente sua existência reforça em muito a ligação existente entre essas pessoas.  

"Philia" não é um amor exigente. Não tem limitações de sexo, raça, situação social, etc. É um amor que normalmente não sofre muito com ciúmes – sempre cabe mais um numa roda de amigos. 

Infelizmente, o amor "philia" era mais importante na cultura antiga do que no mundo moderno. Antigamente, as sociedades tinham muitas características tribais, onde a cooperação humana era fundamental. Hoje as pessoas podem viver nas grandes cidades quase sem amigos. 

Agape
Esse é o amor que Deus tem por nós. Também é o tipo de amor que o cristão deve ter pelo próximo se obedecer o mandamento que Jesus estabeleceu. 

Muitos traduzem "agape" como caridade, mas esse tipo de amor vai além disso, pois envolve também carinho, misericórdia, compaixão, etc.

O amor a que Paulo se refere no texto acima é justamente o "agape". É a essência do cristianismo. E foi por isso que Paulo deu tanta importância a ele".

Com carinho

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O PAPEL DE ISRAEL NO PLANO DA SALVAÇÃO

Qual é o papel de Israel no Plano de Salvação que Deus estabeleceu para a humanidade? Qual é a diferença entre Israel e a igreja cristãAcho que essas questões são relativamente simples de responder, mas as respostas muitas vezes ficam obscurecidas por uma série de concepções erradas. 

E a confusão somente vem aumentando com a mania recente de vários pastores de apelar para práticas de culto usadas pelos israelitas nos tempos do Velho Testamento - um bom exemplo é o "Templo de Salomão" que uma denominação evangélica acabou de inaugurar em São Paulo (veja mais).    

O papel de Israel
Israel foi o povo escolhido por Deus para cumprir uma missão fundamental: gerar o Messias, o salvador da humanidade. E o papel de Israel na história deve sempre ser olhado sob esse ponto de vista.

O povo de Israel foi estabelecido por Deus a partir de um homem muito sincero e fiel, Abraão. E para que esse povo pudesse levar adiante sua missão, Deus lhe prometeu um território, a Palestina, onde poderia viver, prosperar e se defender dos seus inimigos. Ali haveria de nascer e ser criado o Messias.  

Israel cumpriu sua missão mesmo aos trancos e barrancos. Passou por muitas dificuldades, como durante os 400 anos em que foi escravizado no Egito ou no período em esteve no exílio na Babilônia.  Teve também seus pontos altos durante os reinados de Davi e Salomão, reis ricos e poderosos. O fato é que Deus sempre intercedeu a favor de Israel para dar-lhe condições de cumprir seu papel.

O papel de Israel foi fundamental. E as promessas que Deus fez para os israelitas visavam facilitar a execução desse objetivo. É por causa disso que as promessas feitas a Israel, geralmente não se aplicam, nem poderiam ser aplicadas, a nós.

O papel da Igreja 
Nosso papel começou depois da morte e ressurreição de Jesus, conforme relata o livro de Atos dos Apóstolos. E trata-se de papel espiritual e não material. Não tem a ver com a manutenção de territórios físicos ou do estabelecimento de reinos poderosos. Nada disso. 

O papel da igreja, conforme Jesus deixou claro, é bem diferente. Trata-se de testemunhar sobre o Reino de Deus e contribuir para implantá-lo aqui. Portanto, as promessas feitas para nós têm cunho eminentemente espiritual e se destinam a nos dar condições de desempenhar o papel que nos foi atribuído. 

É claro que existem ramificações materiais, pois para podermos testemunhar o Reino de Deus e ajudar o próximo precisaremos estar vivos e em boas condições. Mas o foco não está no nosso bem estar material e sim no testemunho que precisamos dar para o mundo. 

Palavras finais
O papel de israel e da igreja cristã são ambos fundamentais. Mas são muito diferentes entre si. A Aliança de Deus com Israel envolveu a criação de condições materiais para que o Messias pudesse vir ao mundo, crescer e realizar seu ministério. O enfoque tinha que ser material e por isso Deus deu territórios a Israel, estabeleceu um reino ali, etc. Essa foi também a razão porque Deus tomou medidas para orientar Israel a construir um Templo, a lutar guerras, etc.

Vivemos o papel de testemunhar o Reino de Deus. É um enfoque diferente. O lado material entra indiretamente como um recurso necessário para que possamos executar as tarefas a nosso cargo. Foi por isso que Jesus não se preocupou de estabelecer reinos materiais, de construir templos, de criar exércitos e assim por diante.  

Foram duas Alianças com Deus totalmente diversas, uma com Israel e outra com a igreja cristã. Dois papéis diferentes. Deus deu a Israel e à igreja missões distintas e daí decorrem necessidades diversas. E Deus age para preencher essas necessidades, o que significa dar bençãos de diferentes naturezas a um (Israel) e à outra (a igreja cristã).    

Com carinho

sábado, 6 de setembro de 2014

A JOVEM QUE VOLTOU PARA CASA

Uma mulher viúva tinha duas filhas com quem aparentemente se dava muito bem. Foi surpreendida quando a filha mais nova, de vinte e um anos apenas, disse que queria sua parte na herança deixada pelo pai, pois pretendia viver de forma independente, sem mais ter que dar satisfações dos seus atos para a mãe. 

Seu pedido foi atendido, até porque a jovem tinha direito legal à parte da herança deixada pelo pai. Ela recebeu então um valor próximo a quatro milhões de reais e resolveu morar na Inglaterra, onde a vida lhe parecia mais interessante. Nem se despediu direito da mãe e da irmã mais velha, pois sabia que ambas discordavam da sua escolha.

A jovem viveu em Londres por quatro anos, sem se preocupar em economizar. Sua vida somente teve como objetivo o divertimento, sem se preocupar muito com as consequências. A jovem experimentou um pouco de tudo, inclusive drogas variadas. Relacionou-se com vários homens, tentando encontrar em algum deles quem viesse a preencher suas carências emocionais, mas somente experimentou decepções.

Ao fim desse período, a jovem ficou em situação difícil, depois de desperdiçar todo o seu dinheiro. Sem qualquer formação profissional e não podendo contar com a ajuda de amigos sinceros e/ou família, foi caindo de padrão de vida e acabou como moradora de rua. 

Certa noite, andava pelas ruas de Londres sem saber bem o que fazer. Sem esperança ou perspectiva. Passou então por uma igreja, ainda aberta naquela hora da noite. Entrou e começou a orar, pedindo ajuda para sair daquela situação difícil. Sabia que tinha errado muito e estava pagando o preço das suas escolhas ruins. 

Foi aí que o pastor da igreja se aproximou, ao perceber as lágrimas que rolavam pelo rosto da jovem. E perguntou-lhe o que estava acontecendo. A jovem praticamente "vomitou" sua história.  E não escondeu as besteiras que tinha feito e nem tentou se justificar. Confessou ainda que sua única vontade era conseguir uma passagem de volta para o Brasil.

O pastor disse-lhe que conhecia um programa do governo inglês para repatriar imigrantes na situação dela. A jovem foi levada pelo pastor para um abrigo, onde pelo menos teria um teto pelos próximos dias, enquanto esperava a passagem ser emitida.

Poucos dias depois a jovem pegou o avião de volta para o Brasil. E durante as quase dez horas de viagem ficou pensando como seria recebida pela mãe - as críticas que precisaria enfrentar e a vergonha que iria sentir. Mas ainda assim seria melhor do que continuar a viver quase como mendiga em Londres. 

Chegou ao Rio de Janeiro e, como não tinha dinheiro, pediu carona até o centro da cidade. Depois teve que andar por quase duas horas até a zona sul, onde ficava a casa da mãe. Chegou no prédio em que a mãe morava e foi reconhecida pela porteiro que a conhecia desde pequena. 

O porteiro deixou-a entrar no prédio, mesmo espantado ao ver as condições em que a jovem estava - magra, abatida e usando roupas envelhecidas. Com o coração batendo forte, a jovem bateu na porta do apartamento da mãe. E aguardou, olhando para o chão, pois lhe faltou coragem para encarar a mãe de frente. 

Quando a mãe abriu a porta, tomou um grande susto. Ali estava sua filha querida, que julgava perdida para sempre. E sentiu seu coração apertar ao ver o estado da filha. Sem mais hesitar, a mãe atirou-se no pescoço da filha, chorando de alegria e dando graças a Deus por tê-la de volta. Foi um daqueles momentos em que a vida das pessoas envolvidas muda para sempre. 

Mãe e filha entraram no apartamento abraçadas. Conversaram por horas, matando as saudades e, algumas vezes, choraram juntas. Mágoas foram superadas e feridas emocionais finalmente começaram a cicatrizar. 

Horas depois, a filha mais velha chegou do trabalho e viu a irmã, já de roupa nova, cabelo cortado, muito mais apresentável, abraçada à mãe. Revoltou-se, pois entendeu que a mãe estava sendo feita de boba e nem quis falar com a irmã mais nova. Mas com ela seria diferente: algumas lágrimas derramadas e um pedido de perdão nunca seriam suficientes. Seria preciso mais, muito mais. 

A mãe, ao perceber o que estava acontecendo, chamou a filha mais velha para conversar e tentou explicar: "Sua irmã voltou e é isso que mais importa. Por que você não entende isso?" 

O final do caso 
O relato acima foi baseado na famosa parábola do "filho pródigo", que Jesus contou para seus discípulos - se você quiser saber o final do caso, leia Lucas capítulo 15, versículos 11 a 32

A figura do pai (ou da mãe) representa Deus. O(a) filho(a) pródigo(a) é a pessoa que se afasta de Deus e se "perde" no mundo, passando a viver de forma errada. E o(a) filho(a) mais velho(a) é aquele(a) que nunca se afastou de Deus.

Essa parábola é uma fantástica lição sobre o perdão e a misericórdia de Deus. Mostra também como essa misericórdia muitas vezes não é compreendida pelas demais pessoas, menos capazes de perdoar e dar outra oportunidade para aqueles que se afastam do caminho certo, do que o próprio Deus.  

Com carinho

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

LINCHAMENTO MORAL

Semana passada aconteceu um ato de racismo durante jogo de futebol entre o Grêmio de Porto Alegre e o Santos. Parte da torcida do Grêmio passou boa parte do jogo fazendo insultos racistas ao goleiro do Santos, Aranha, que é negro. 

Como racismo é ilegal no Brasil, o episódio gerou processo criminal. A filmagem feita pelas câmeras de segurança do estádio foi analisada e os autores das ofensas foram identificados. Entre as pessoas racistas, chamou atenção o caso de uma moça de apenas 22 anos, flagrada pelas câmeras agindo de forma vergonhosa.

O nome dela foi divulgado pela mídia e o impacto sobre a vida da moça foi enorme e imediato. Ela perdeu o emprego, precisou apagar seus perfis nas redes sociais e agora enfrenta processo criminal que pode levá-la para a cadeia por até 3 anos. Sua família precisou sair de casa pois a situação ficou insustentável. Um desastre.

Há muita coisa a comentar sobre um caso como esse. A primeira delas é que, sem dúvida, a moça cometeu falha grave. Racismo, misturado a insultos públicos, contra quem quer que seja é detestável e precisa ser evitado e coibido a qualquer custo. 

Mas nada do que ela fez justifica a reação tipo "linchamento moral" que se sucedeu. Um erro não pode justificar o outro. Sem contar que a família da moça não tinha feito nada de errado e mesmo assim sofreu as consequências.

A outra questão que me chama a atenção é a motivação da moça em fazer o que fez. Aqueles que a defendem, apontam para sua juventude e tentam explicar o ato dizendo que ela foi levada pelo momento - teria tido um momento de privação dos sentidos.

Ora, não parece que foi esse o caso, pois a moça assistia um simples jogo de futebol e entrou de cabeça no abuso moral que algumas pessoas começaram a fazer. Não era uma situação de tensão ou emocional. Não poderia justificar a privação de sentidos.

O que parece ter acontecido é o chamado "efeito multidão": em grupo, as pessoas se sentem protegidas e acabam por fazer coisas que se sentiriam constrangidas ou impedidas de fazer se estivessem sozinhas. Vemos isso com clareza nas turmas de adolescentes que fazem verdadeiras loucuras - os mesmos jovens, quando sozinhos, agem de forma totalmente diferente. Em grupo saem totalmente do controle.

Agora, o "efeito multidão" afeta sentimentos que já existem dentro das pessoas e estão reprimidos pela educação e as leis da sociedade. Portanto, se minha análise está certa, essa moça tem sim sentimentos racistas. Pode até não demonstrar no dia a dia - como muitos vizinhos dela testemunharam - mas esse lado tenebroso está lá. 

E isso aponta para defeitos na sua educação, pois racismo é o tipo de coisa que se costuma aprender desde cedo, inclusive através das atitudes dos mais velhos. 

Finalmente, gostaria de falar sobre a questão das coisas ruins que existem na nossa sociedade mas ficam meio escondidas. Vemos isso nas questões de natureza sexual, sempre presentes e incomodando, mas sobre as quais parece ser proibido falar. 

O preconceito racial é bem assim: escondido, mas bem presente. Felizmente, nossas leis tornam ilegal as atitudes racistas, o que é um grande avanço e impede que as coisas escapem do controle. Mas o racismo mostra-se presente nas pequenas coisas.

Você já ouviu piadas racistas? Eu já ouvi muitas e, confesso, que na maioria das vezes me calei - hoje atuo de forma diferente e demonstro meu desagrado, mas já pequei muito por omissão.

O racismo também se faz presente na linguagem que usamos no dia a dia. Por exemplo, a cor negra é sinônimo de pecado, de coisa ruim. Usamos termos "o coração dele é negro" ou "o lado negro da força" (quem lembra do filme "Guerra nas Estrelas") sem nem perceber. E assim contribuímos para perpetuar o racismo. E isso não acontece apenas contra os negros - por exemplo, o termo negativo "judiar" vem da palavra judeu, um povo sempre vitimado pelas reações racistas. 

Não há dúvida que todos temos um lado tenebroso, onde florescem a inveja, os ciúmes infundados, a hipocrisia, os preconceitos, etc. Esse lado ruim espera apenas que as condições favoráveis apareçam para mostrar sua cara, como aconteceu com a moça racista e acontece de vez em quando com cada um de nós - apenas tivemos sorte de não sermos pegos em flagrante.

Combater questões desse tipo é difícil, bem mais do que parece. Afinal, trata-se de "inimigo" meio invisível. Estou falando de mudar uma forma de pensar e isso não é simples. 

É tarefa que se faz aos poucos. E o único caminho que conheço é a ação do Espírito Santo em cada momento da vida da pessoa. Fazendo-a perceber quando erra. Quando se desvia do caminho. Mostrando-lhe o que deve fazer de forma diferente.  

Concluindo, o moça em questão errou e muito. E seu erro é sintoma de problema mais profundo do que simples erro de julgamento momentâneo. Ela merece punição, sim, pois violou a lei. Mas também merece compreensão e ajuda para voltar a andar no caminho certo e não sofrer atos de "linchamento moral".

Com carinho