sábado, 1 de fevereiro de 2020

O GRITO DAS EMOÇÕES

Vamos começar uma nova série de aulas, com base no trabalho desenvolvida na classe da Escola Dominical da Catedral Metodista de São Paulo, liderada pela pastora Carol e por mim, com a participação do pastor Acadêmico Clébson. O tema é: o grito das emoções.

Emoções são como o vento: não se sabe ao certo quando vão chegar ou ir embora. Mas quando acabam, costumam deixar um monte de destroços pelo caminho. Por causa disso, em vários círculos cristãos, as emoções são desestimuladas e muitas delas rotuladas até de não espirituais.

O cristão sempre ouve que nunca deve perder o controle e precisa se arrepender de qualquer sentimento considerado negativo. Ora, não há muito como evitar ou até mesmo controlar completamente as próprias emoções. Afinal, são elas que conectam o mundo interior da pessoa com os altos e baixos da sua vida. Por exemplo, perdas geram sentimento de tristeza, raiva e até revolta. Conquistas geram sentimento de alegria, orgulho e trazem realização.

Na verdade, muitas emoções costumam ser discriminadas simplesmente porque revelam questões internas que é melhor ignorar. Assim, torna-se melhor evitar a intensidade dos próprios sentimentos, afivelando uma máscara de calma e tranquilidade, que pode até indicar indiferença. E nunca correr o risco de ver o vento das próprias emoções destelhar a “casa” da vida. 
Emoções são boas ou ruins?
A forma tradicional de discutir emoções num círculo cristão é começar qualificando-as de “boas” ou “ruins”. Emoções boas seriam alegria, amor, companheirismo, misericórdia, coragem e assim por diante. Emoções ruins seriam ódio, inveja, ciúme, egoísmo e tantas outras.
Qualificadas as emoções, o passo seguinte é aprender a desenvolver as boas emoções e procurar eliminar, ou pelo menos, conter as ruins. Mas aí vem a teoria psicanalítica e defende a tese que emoções, em si mesmas, não são nem boas nem ruins. Elas simplesmente são.

O “certo” ou “errado” estaria naquilo que a pessoa faz com suas próprias emoções. Portanto, tentar rotular previamente as emoções em boas ou ruins, acaba tornando mais difícil para a pessoa expressar honestamente seus próprios sentimentos, gerando frustrações, neuroses e outros problemas psicológicos.

A resposta da doutrina cristã é que essa linha de pensamento não leva em conta que o ser humano tem tendência para o mal. O problema básico do ser humano seria a rebelião contra Deus, seguida da tentativa de evitar as próprias responsabilidades quando peca. O ser humano seria pré-disposto a colocar outras coisas na frente de Deus (idolatria) e também procurar o caminho mais fácil para sair das situações difíceis, apelando para a mentira, a racionalização dos pecados e assim por diante.

Na visão cristã, o tratamento das emoções não pode ser feito buscando o maior conhecimento da pessoa sobre si mesma, como defende a teoria psicanalítica. Isso porque a busca por “soluções” para os problemas emocionais costuma deixar de lado a necessidade de trabalhar a relação da pessoa com Deus. E Ele se torna uma figura complementar no processo, ao invés de ser o condutor dele.
O que o “grito das emoções” pode ensinar?
Nesta série, vamos tentar trabalhar o “grito das emoções” de outro ângulo, fugindo do debate sobre emoções boas e ruins. Vamos explorar a ideia que os sentimentos, quaisquer que sejam eles, permitem à pessoa perceber como anda sua relação com Deus.
Mas é preciso antes trazer uma palavra de cautela: emoções envolvem uma interação complexa entre corpo e mente. A pessoa não sente medo ou raiva apenas na sua mente, ela sente isso também no seu corpo. Sendo assim, é perigoso achar que é possível enfrentar as lutas emocionais apenas através de uma abordagem espiritual, como propõem alguns líderes cristãos desavisados. Certas emoções, como ansiedade e depressão, envolvem forte componente físico que precisa ser tratado com medicamentos e intervenções terapêuticas.

Falar para quem estiver sofrendo fisicamente que basta se acertar com Deus que todo mal-estar irá embora, é colocar uma carga adicional sobre essa pessoa, pois ela não vai conseguir fazer isso e fatalmente irá também passar a sentir culpa.

Feita essa observação de cautela, propomos que você comece ouvindo o que suas emoções estão lhe dizendo. Comece entendendo o que elas contam sobre você mesmo/a e sobre sua inserção numa sociedade dominada pelo pecado. E, depois, use tal conhecimento para avaliar como anda sua relação com Deus, buscando entender os problemas e aprofundar essa relação.
É relativamente fácil mostrar porque as emoções de uma pessoa testemunham sobre sua relação com Deus. Por exemplo, a ansiedade costuma estar relacionada com a percepção que a vida não é previsível. A inveja costuma estar relacionada com o fato de a vida não ser justa. Já o ciúme frequentemente nasce na insegurança e, portanto, testemunha que a vida não parece ser segura.
Ora, se lembrarmos que Deus é o autor e consumador da vida (Hebreus 12:1-2), essas mesmas questões podem ser reapresentadas de outra forma: Deus é previsível? Eles é justo? Verdadeiramente gera segurança em que nele crê? Ou, melhor ainda, Deus é mesmo quem a Bíblia diz que Ele é?

Por isso o salmista (Salmo 42:11) chama você a ponderar sobre seu mundo interior:
Por que você está assim tão triste, ó minha alma? Por que está assim tão perturbada dentro de mim?
E o que você deve procurar entender? É simples: a direção do seu coração. A pergunta “o que estou sentindo?” é uma outra forma de perguntar “em que direção estou me movendo?”. Será que estou me movendo na direção de Deus ou me afastando dele?

Isso quer dizer que sentimentos bons indicam proximidade de Deus, enquanto sentimentos ruins exatamente o contrário? Seria muito bom se fosse tão simples assim, mas é preciso olhar para essa questão de forma um pouco mais criativa. A resposta certa é: emoção boa é aquela que leva você a ter maior engajamento com Deus.

Emoções consideradas por muitos como problemáticas – como a raiva e a tristeza -, muitas vezes são o caldo de cultura onde você vai reencontrar a luz e reforçar sua fé. Deus se aproxima das pessoas mais nas fraquezas e dificuldades delas. Ele se revela muito mais nos momentos escuros do que nos momentos de alegria. O famoso escritor cristão C. S. Lewis, com muita razão, observou que o sofrimento humano é o megafone da voz de Deus. Portanto, a falsa calmaria (a apatia) é um inimigo muito maior para a fé do que a emoção que parece turbulenta e difícil.

É por isso que o salmista (Salmo 77:1-10) convida que você apresente suas queixas a Deus:
Clamo a Deus por socorro; clamo a Deus que me escute. Quando estou angustiado, busco o Senhor; de noite estendo as mãos sem cessar; a minha alma está inconsolável! Lembro-me de ti, ó Deus, e suspiro; começo a meditar, e o meu espírito desfalece. Não me permites fechar os olhos; tão inquieto estou que não consigo falar. Fico a pensar nos dias que se foram, nos anos há muito passados; de noite recordo minhas canções. O meu coração medita, e o meu espírito pergunta: "Irá o Senhor rejeitar-nos para sempre? Jamais tornará a mostrar-nos o seu favor? Desapareceu para sempre o seu amor? Acabou-se a sua promessa? Esqueceu-se Deus de ser misericordioso? Em sua ira refreou sua compaixão?" Então pensei: a razão da minha dor é que a mão direita do Altíssimo não age mais.
É comum entre os cristãos o receio que assumir abertamente os próprios sentimentos perante Deus irá gerar punição severa por parte dele. Essas pessoas pensam Deus quer ordem, conformidade, filhos obedientes e bonzinhos. Mas os Salmos demonstram que Deus quer mesmo é seu envolvimento apaixonado, sua admiração e sua reverência.

O salmista convida você a questionar, duvidar e até se enraivecer com Deus. E os Salmos fornecem até as palavras necessárias para que você vocalize sua luta desesperada:
Estou exausto de tanto gemer. De tanto chorar inundo de noite a minha cama; de lágrimas encharco o meu leito. Os meus olhos se consomem de tristeza; fraquejam por causa de todos os meus adversários. Salmo 6:6-7

Em Deus nos gloriamos o tempo todo, e louvaremos o teu nome para sempre. Mas agora nos rejeitaste e nos humilhaste; já não sais com os nossos exércitos. Diante dos nossos adversários fizeste-nos bater em retirada, e os que nos odeiam nos saquearam. Tu nos entregaste para sermos devorados como ovelhas e nos dispersaste entre as nações. Vendestes o teu povo por uma ninharia, nada lucrando com a sua venda. fizeste-nos objeto de vergonha dos nossos vizinhos, de zombaria e menosprezo dos que nos rodeiam. Salmo 44:8-13

Afastastes de mim os meus melhores amigos e me tornaste repugnante para eles. Estou como um preso que não pode fugir; minhas vistas já estão fracas de tristeza. A ti, Senhor, clamo cada dia; a ti ergo as minhas mãos. Acaso mostras as tuas maravilhas aos mortos? Acaso os mortos se levantam e te louvam? Será que o teu amor é anunciado no túmulo, e a tua fidelidade, no Abismo da Morte? Será que são conhecidas as tuas maravilhas na região das trevas, e os teus feitos de justiça, na terra do esquecimento? Mas, eu, Senhor, a ti clamo por socorro; já de manhã a minha oração chega à tua presença. Por que, Senhor, me rejeitas e escondes de mim o teu rosto? Salmo 88:8-14
 Não há dúvida que parece muito mais fácil perceber a própria ligação com Deus quando você estiver lidando com emoções como amor, alegria e paz, pois tudo isso emana diretamente dele. Mas as emoções difíceis abrem uma janela importante sobre o estado da sua relação com Deus.  São elas que indicam o que Deus representa de fato para você e aquilo que você espera dele. Por isso é tão importante aprender a ouvi-las. 

Veja a agenda de aulas da nova série, com a relação completa de aulas.
  1. Introdução: Veja aqui o áudio da aula  

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