domingo, 27 de setembro de 2015

O JARGÃO DOS EVANGÉLICOS

As verdades que Deus nos revela precisam ser descritas em linguagem humana. Não há como evitar isso. E a linguagem humana tem diversas limitações, dentre as quais quero ressaltar as modificações sofridas ao longo do tempo, seguindo as variações do contexto cultural - basta comparar uma Bíblia em português de cerca de 100 anos atrás com outra em linguagem atual para perceber que parecem dois textos distintos. 

E essa evolução da linguagem humana pode gerar bastante confusão, por diversas razões. Em primeiro lugar, porque às vezes uma mesma palavra ou expressão pode ser usada para significar coisas distintas. E frequentemente um dos novos significados acaba por "atropelar" o significado original. 

Quando eu era garoto, "batismo do Espírito Santo" ocorria quando a pessoa aceitava Jesus e o Espírito Santo passava a habitar nela. Sabíamos, naquela época, que há outra experiência possível com o Espírito Santo, quando a pessoa, já convertida, recebe uma unção especial para realizar a obra de Deus, também conhecido como "revestimento de poder". Agora, principalmente nas igrejas pentecostais e carismáticas, essa segunda experiência espiritual tornou-se tão importante que passou a ser chamada de "batismo do Espírito Santo". E esse uso acabou por se popularizar no meio evangélico. 

Hoje as duas experiências são chamadas indistintamente de "batismo no Espírito Santo" e o pior é que nem dá para dizer que o uso da expressão num caso ou no outro está errada.

Outra fonte de muita confusão é o jargão evangélico - palavras que têm significado especial somente para aqueles que pertencem a essa comunidade. 

O uso de jargão é comum em vários grupos sociais, como entre os jovens, os médicos ou o pessoal de informática. E muitas vezes esse jargão "aportuguesa" as palavras diretamente do inglês, como p. ex. no caso de "deletar" (que vem de do inglês "delete"). E assim ocorre também com os(as) evangélicos(as) - parece que eles(as) falam uma linguá diferente do restante da população.

O jargão evangélico é curioso pois mistura palavras da Bíblia com conceitos modernos e expressões que vem do inglês. Por exemplo, a palavra "levita" se refere na Bíblia a um homem descendente de Levi, filho de Jacó. Os sacerdotes saiam todos desse grupo de homens, mas muitos levitas se limitavam a cuidar de tarefas corriqueiras no Templo de Jerusalém (vigilância, limpeza, etc). Nas igrejas evangélicas hoje em dia, "levita" passou a significar uma pessoa que trabalha na área de música, ajudando a conduzir o louvor.

"Varão", na Bíblia, era palavra usada para se referir a qualquer pessoa do sexo masculino. Mas em algumas igrejas evangélicas, passou a ser usada para se referir a um homem verdadeiro servo de Deus. E já é comum usar a palavra "varoa" (horrível, por sinal) para se referir às mulheres na mesma condição. 

A palavra Gospel quer dizer Evangelho em inglês. Mas hoje é usada para tudo que se refere às atividades ou coisas relacionadas com o mundo evangélico - assim, temos música gospel, roupa gospel, balada gospel, carnaval gospel e assim por diante. Quando o termo "gospel" é usado junto a um substantivo, passou a significar um selo de aprovação para uso no meio evangélico.  

O jargão evangélico é muito extenso. Vejamos alguns outros exemplos para ajudar quem não está acostumando com esses termos: 
  • "Benção pura": coisa muito boa.
  • "Está na benção": está tudo bem, tudo certo.
  • "Está no óleo": semelhante ao anterior.
  • "Não tocar no ungido": não criticar ou fazer alguma coisa contra um(a) pastor(a), mesmo que ele(a) dê motivos para isso.
  • "Graça e Paz": forma de saudação cristã, retirada das cartas de Paulo.
  • "Gadita": aquele(a) que participou do "Encontro com Deus", um tipo de retiro especial com fins evangelísticos.
  • "Célula": pequeno grupo de pessoas sendo discipuladas que normalmente se reúne na casa de alguém.
  • "Peniel": lugar abençoado, onde Deus se faz presente.
Quando o grupo de pessoas é homogêneo (p. ex., todos são da mesma denominação cristã e todos são jovens), há pouca confusão com o uso de jargão. Mas quando o grupo é heterogêneo, o jargão pode gerar erros sérios de comunicação - eu já vi isso acontecer diversas vezes.
 
É interessante lembrar que Jesus sempre tomou cuidado de adaptar seu discurso à plateia do momento. Quando ele pregava nas pequenas vilas da Galileia, usava exemplos tirados da vida rural, cuja realidade era conhecida por todos(as). Quando ia para Jerusalém, usava imagens mais urbanas. E nunca usou jargão - sempre empregou as palavras no seu significado mais geral, entendido por todos(as).

Mas não é bem assim que seus seguidores fazem e o uso do jargão é hoje amplamente difundido e não acredito que isso venha a mudar. Pelo contrário, mais e mais palavras são continuamente agregadas ao jargão evangélico.

Se você ouve pregações de pastores de diferentes denominações cristãs, tome cuidado para ter certeza que entendeu bem o que foi dito. Procure se informar bem do significado das palavras usadas - por exemplo, entre no site do pastor ou da igreja e leia textos referentes ao assunto ou pergunte a quem saiba. Eu faço isso com frequência e essa providencia simples já me evitou vários embaraços.

Com carinho  

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