quarta-feira, 5 de outubro de 2016

O PAI E SEUS DOIS FILHOS

Uma das estórias mais conhecidas da Bíblia é a parábola do filho pródigo (Lucas capítulo 15, versículos 11 a 32). Nela Jesus conta a estória de um pai que tinha dois filhos. O mais novo pediu para receber sua herança, de forma antecipada, e foi embora da casa paterna. Mudou para outro lugar e viveu vários anos ali, gastando irresponsavelmente, com festas e mulheres, a herança recebida.

Acabou ficando sem nada e tendo que trabalhar em atividades humilhantes, como guardar porcos, para ter o que comer. Certo dia, deu-se conta da forma que vivia e lembrou que até os empregados da casa do seu pai viviam melhor do que ele. E resolveu voltar para casa.

Quando ia chegando, o pai o viu e veio correndo ao seu encontro. O rapaz, arrependido, pediu perdão e disse para o pai que não merecia mais ser tratado como filho. E pediu para ficar ali, trabalhando como um simples empregado.

O pai perdoou e aceitou o filho de volta. Sem restrições. E deu uma grande festa para comemorar a volta do rapaz. Quando a noite já ia avançada, o filho mais velho, que de nada sabia, chegou da sua jornada no campo e estranhou o movimento. Procurou informar-se do que estava acontecendo e ao saber do motivo da comemoração, irritou-se e não quis participar da festa.

Ficou do lado de fora, amuado. Até que o pai veio falar com ele. E o filho mais velho desabafou, dizendo que tinha ficado ali, trabalhando duramente, e nunca tinha sido festejado pelo pai. E não lhe parecia justo que o filho mais novo fosse o centro de uma festa, depois de tudo o que tinha feito.

O pai respondeu que reconhecia o comportamento do filho mais velho, tanto assim que tudo que tinha era também dele. Mas argumentou que seu caçula estava perdido e tinha sido encontrado. E esse fato tinha alegrado seu coração de pai.

É interessante perceber que o relato de Jesus não revela se o filho mais velho aceitou essa justificativa e concordou em participar da festa, também perdoando o irmão mais novo. Isso ficou em aberto, ficando a critério da imaginação de cada leitor(a).

A interpretação tradicional dessa parábola atribui a Deus o papel do pai. O filho pródigo, aquele que volta para casa arrependido, é a pessoa que se afasta de Deus e, por conta dos problemas que passa a viver, acaba se arrependendo e se convertendo. O filho mais velho representa as pessoas que vivem na igreja e se incomodam quando um(a) pecador(a) é aceito por Deus.

Essa interpretação fala de arrependimento, de pedido de perdão, da misericórdia e da graça de Deus, como também do coração endurecido daqueles(as) que vivem nas comunidades de fé (igrejas cristãs) e têm dificuldade para aceitar a entrada nelas dos(as) pecadores(as).

Eu concordo com essa interpretação. Ela faz sentido e está de acordo com os demais ensinamentos de Jesus. Mas penso que essa parábola vai além disso. Muito além. O ensinamento de Jesus é ainda mais profundo.

Numa visão mais ampla, é preciso entender que cada um(a) de nós, ao longo da sua vida espiritual, assume sucessivamente os três diferentes papéis descritos nessa parábola. Em diferentes momentos da vida somos filho(a) pródigo(as), filho(a) primogênito(a) e pai(mãe).

Há momentos em que pecamos e nos afastamos de Deus e precisamos nos arrepender, pedir perdão e voltar para Ele. E esperamos ser perdoados e aceitos de volta por Ele. Acredito que todo mundo já passou por isso.

Até os apóstolos, que são exemplos de fé a serem seguidos, passaram por sua fase de “filhos pródigos”. Por exemplo, Pedro negou Jesus por três vezes e precisou ser perdoado (João capítulo 21, versículos 15 a 17). Paulo começou seu ministério perseguindo os cristãos, inclusive contribuindo para o martírio de alguns deles, como Estevão. Precisou ser perdoado e discipulado por Jesus (Atos dos Apóstolos capítulo 19, versículos 1 a 19).

Cada um(a) de nós já foi (ou virá a ser) um(a) filho (a) pródigo(a). E precisamos olhar para aquele personagem para entender as consequências dos nossos atos: enquanto teimarmos em seguir no caminho errado, vamos continuar a pagar o preço, levando uma vida ruim. Ao voltarmos para Deus, seremos perdoados e recebidos com alegria e festa. E nossa vida vai mudar.

Agora, cada um(a) de nós já passou (ou irá passar) também pelo papel de filho mais velho. Isso porque temos dificuldade de entender a misericórdia e a graça de Deus. Temos dificuldade de aceitar o fato d´Ele perdoar tanto.

No mundo humano - já vi isso acontecer muito dentro das igrejas - as pessoas que erram quase nunca são tão aceitas como antes. Acabam “marcadas” para sempre.

Os relatos bíblicos testificam sobre essa questão. Por exemplo, quando Paulo se converteu, os cristãos não o aceitaram imediatamente – tiveram grande desconfiança dele (Atos dos Apóstolos capítulo 19, versículos 20 a 30). E ele passou boa parte do seu ministério se defendendo, precisando reafirmar sua autoridade apostólica (2 Coríntios capítulo 10, versículos 1 a 12).

Finalmente, cada um(a) de nós passou (ou vai passar) pela figura do(a) pai(mãe). Vamos ver à nossa frente alguém arrependido(a), nos pedindo perdão. E precisamos aprender a perdoar. A usar de misericórdia. Afinal, esse foi um dos ensinamentos que Jesus nos deixou.

E nunca podemos esquecer que seremos perdoados por Deus na mesma medida que viermos a perdoar o nosso próximo (Mateus capítulo 6, versículos 14 e 15).

Concluindo, cada um(a) de nós já assumiu (ou virá a assumir) os três papeis da parábola: pai, filho que se arrepende e filho que se escandaliza com o perdão. Penso que essa é a lição maior da parábola do filho pródigo.

Com carinho

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