domingo, 5 de fevereiro de 2017

A VIOLÊNCIA DOÉSTICA CONTRA A MULHER NO MEIO CRISTÃO

O tema de hoje é muito triste: a violência doméstica contra a mulher. Sabemos que esse é um grande problema na sociedade brasileira, a ponto de ser preciso contar com delegacias especializadas e leis específicas - como a famosa "Maria da Penha" - para combater tal tipo de crime.

Será que no meio cristão a situação é diferente. Será que pelo fato de se dizerem convertidos, os maridos/companheiros cristãos tratam suas esposas/companheiras de forma melhor do que a sociedade em geral?

Infelizmente, acredito que a resposta seja não: os homens cristãos não agem, na média, de forma muito diferente do que a população masculina em geral. E isso é surpreendente, pois seria de se esperar que a situação no meio cristão fosse melhor.

Eu não tenho dados de pesquisas sobre a violência contra a mulher em lares cristãos brasileiros, até porque as denominações cristãos, em sua maior parte, não se interessam muito por pesquisar aquilo que acontece no seu meio. Dados mais abrangentes existem apenas para a população em geral. Como então posso afirmar que esse problema existe no meio cristão brasileiro? A resposta é simples: por comparação com o que acontece em outros países. 

Em países mais avançados, como nos Estados Unidos, existem muitos dados sobre o que acontece no meio cristão. Por exemplo, pesquisa conduzida pela organização Kyria (www.kyria.com), envolvendo 1.800 mulheres cristãs, mostrou números impressionantes: 52% delas já tinha sofrido violência moral, 30% foram vítimas de violência física e 18% sofreram violência sexual. Uma verdadeira epidemia. E tais números são bem semelhantes àqueles levantados para a população americana como um todo. Ou seja, nos Estados Unidos, o cristianismo não conseguiu transformar de fato o comportamento de boa parte dos homens. 

E como a sociedade brasileira é mais machista que a americana e não há porque imaginar "nossos cristãos" são melhores do que "os cristãos deles", pois a essência do ser humano é a mesma, certamente se há uma epidemia de violência contra a mulher lá, também há por aqui.

A diferença que aqui não falamos muito sobre essa questão e, portanto, não tomamos consciência dela (assim como também pouco fazemos para corrigir esse problema). 

E tenho ainda, para reforçar essa conclusão, muitos depoimentos de mulheres feitos neste site - algumas de forma aberta, enquanto outras diretamente para mim - onde esse tipo de problema fica evidente. E é interessante perceber que elas normalmente não escrevem para o site para falar de violência doméstica e sim para tratar de problemas conjugais, pois não tem muita noção do que vem sofrendo. Mas a violência está lá, em uma das suas três diferentes formas. 

E neste ponto vale a pena fazer um parêntesis para lembrar que a violência contra a mulher pode assumir três diferentes aspectos, sendo o primeiro deles a violência moral. Ela se faz presente quando o homem deliberadamente procura atingir a mulher na sua nas suas emoções (especialmente na auto-estima), na sua possibilidade de convívio social, etc. 

Assim, comete violência o homem que faz críticas agressivas e constantes à mulher, chamando-a de burra, gorda, feia, inútil, etc. Como também aquele que tenta controlar todos os passos dela por causa de seu ciúme obsessivo. Ou ainda o homem que danifica objetos que tenham valor sentimental para a mulher. Sem esquecer o homem que faz chantagem constante contra a mulher - do tipo “vou me separar e deixar você sem sustento” - para obrigá-la a se comportar como deseja. 

A violência física ocorre quando o homem fere fisicamente a mulher, mas sem que haja conotação sexual. Esse tipo de violência é muito perigosa porque tende a ir crescendo, à medida em que o homem vai perdendo a noção da dignidade da mulher. E lemos com frequência os relatos de histórias desse tipo que acabaram em tragédia.

Finalmente, há também a violência de natureza sexual, quando o homem força o sexo com a parceira, contra a vontade dela, por entender que ela é sua propriedade, estando ali para satisfazê-lo em tudo. 

Por que acaba sendo pior no meio cristão?
Os líderes religiosos envolvidos nos casos de aconselhamento de violência doméstica contra mulheres parecem ter muita dificuldade para lidar com esse tipo de situação, já que dão enorme importância à preservação dos casamentos. E situações onde a separação parece ser a única saída adequada tendem a colocar essas pessoas "numa saia justa". O que devem priorizar: o casamento ou a segurança e conforto da mulher?

Isso porque o ensinamento mais comum no meio cristão é ser pecado se separar, exceto em caso de flagrante adultério (veja mais). A isso se soma o fato que homens violentos, muitas vezes, também são manipuladores: derramam-se em pedidos de perdão, afirmam que o Espírito Santo tocou seus corações e vão mudar, etc.

E as mulheres são pressionadas a perdoar, já que o perdão é um mandamento de Jesus, aceitam os parceiros de volta e o ciclo de violência se repete...

Jesus mandou sim perdoar mas isso não é o mesmo que ser ingênuo e se reconciliar sem as necessárias garantias (veja mais). Um alcoólatra vai pedir 100 vezes perdão e ainda assim voltará a beber e a família não pode ficar exposta a isso. E o mesmo ocorre com o homem violento: quase sempre ele vai reincidir e a mulher precisa ser afastada das agressões.

Outra abordagem errada que costuma ser feita por líderes cristãos envolvidos no aconselhamento de casos de violência doméstica é quando faz-se uso da passagem de 1 Pedro capítulo 3, versículos 3 a 6, onde está dito que a mulher deve ser submissa ao marido. 

É comum, então, dizer para a mulher que ela precisa aguentar e conheço casos em que chegou-se ao absurdo de dizer para a mulher vitimizada que ela deveria se esforçar mais, fazendo tudo para agradar seu marido, inclusive no aspecto sexual. E isso a fez se sentir culpada, como se todo o problema fosse fruto da incompetência dela...

Não tenho espaço aqui para fazer uma análise aprofundada do texto de 1 Pedro citado acima, mas não está dito ali, ou em qualquer outro lugar da Bíblia, que as mulheres devem se submeter à violência. E lembro ainda que no versículo 7 - logo adiante do texto citado -, Pedro deixou claro que o marido precisa honrar a mulher e que ela é herdeira, com ele, da graça da vida.

Resumindo, o problema da violência doméstica contra mulher acaba sendo pior no meio cristão porque a cultura existente nas igrejas geram conselhos que costumam tornar as coisas ainda piores, pois fazem com que as mulheres prejudicadas se sintam culpadas e se tornem hesitantes em tomar as medidas de proteção que deveriam. E muitas vezes se sentem sozinhas. E isso é muito triste.

E isso vai contra tudo que o cristianismo ensina. O sofrimento dessas mulheres precisa ser melhor compreendido. Elas precisam ser ajudadas e apoiadas para conseguir mudar suas vidas.

Com carinho

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