segunda-feira, 12 de novembro de 2018

DEUS É UM SER PUNITIVO?


Gostaria de discutir hoje se Deus é um ser punitivo. Um ser do qual todos precisam ter grande medo. 

Cerca de 280 anos atrás, um pastor norte-americano, chamado Jonathan Edwards, pregou um sermão que ficou muito famoso: “Pecadores nas mãos de um Deus irado”. Quando o pastor Edwards pregou essa mensagem houve muito choro entre os/as ouvintes e pessoas chegaram a desmaiar. Centenas de milhares de cópias desse sermão foram impressas e distribuídas por todo o país e o impacto das ideias ali contidas foram profundos. Mudaram a vida da sociedade norte-americana.

O sermão tratava essencialmente da ira de Deus gerada pelo pecado humano. E o pastor Edwards descreveu em linguagem muito clara e eloquente os horrores do inferno, que esperavam os/as condenados/as. A imagem de Deus transmitida nessa mensagem foi a de um Ser punitivo. Alguém que acompanha todos os passos das pessoas, sabe de tudo que se passa e está pronto para punir de forma muito rigorosa.

Essa imagem de Deus funciona como o “outro lado da moeda” de outra posição, também muito comum, e que já foi tratada aqui no site em diversas postagens: Deus é amoroso e misericordioso e de uma forma ou outra acaba por perdoar todo mundo, portanto, não importa muito o que a pessoa faça na sua vida. Esse outro ponto de vista embute a imagem de um Deus um tanto ou quanto leniente (veja mais aqui).

Deus não é leniente: Ele detesta o pecado e se afasta dos/as pecadores/as, até ver arrependimento real e desejo de mudança. E há, sem dúvida, consequências para o pecado não perdoado por Deus – o inferno é a maior prova disso. Portanto, as pessoas não podem viver como se Deus não existisse, tocando suas vidas totalmente despreocupadas, inclusive mantendo seus “pecados de estimação”. Se viverem assim, um dia a “conta” chega.

Aqui estou tratando dessa outra visão, também errada, de um Deus punitivo, que nos mantém constantemente aterrorizados/as. Essa visão distorcida gera um relacionamento com Deus baseado no medo, na culpa e na tentativa de encontrar formas de escapar da punição divina. E esse relacionamento deveria ser baseado no amor (como a Bíblia ensina).

O medo da punição gera mudança de comportamento?
Há uma pesquisa denominada “Deuses maus geram pessoas boas”, desenvolvida na Universidade Estadual de Oregon, nos Estados Unidos. Esse estudo revelou que há sim uma relação entre a crença religiosa e a manutenção de princípios éticos. De acordo com o psicólogo Azim Shariff, coordenador desse estudo, o fator mais importante para predizer o comportamento ético das pessoas não é se elas acreditam em algum deus. O fator principal é o tipo de deus no qual acreditam.

O resultado mostrou que acreditar em um deus, por si só, não impede as pessoas de agirem de forma pouco ética. O que faz diferença é acreditar num deus visto como capaz de punir. A pesquisa mostrou ainda que acreditar em um deus que perdoa parece comprometer o comportamento ético.

Penso que isso dá uma justificativa para os/as líderes religiosos, como Jonatham Edwards, venderem uma imagem de Deus como um Ser altamente punitivo. Trata-se de um meio para conseguir que as pessoas não se desviem do bom caminho. Seria uma forma de prevenir, para não ter que remediar, depois que o mal tiver ocorrido.

Não é por acaso que esse tipo de abordagem se faça tão presente no meio das igrejas evangélicas mais conservadoras. Isso é especialmente presente naquelas que atuam nas camadas sócio econômicas menos favorecidas. É uma forma efetiva de agir, não há a menor dúvida, especialmente num mundo onde cada vez mais as premissas morais vão sendo relativizadas. Onde ideias como a liberdade para o aborto e a promiscuidade sexual têm cada vez mais espaço.

Mas será que a imagem de um Deus aterrorizador é a que a Bíblia apresenta? Será que essa é a melhor forma de incentivar as pessoas a trilharem o caminho certo?

Olhando para Jesus
Precisamos olhar para Jesus para saber como devemos nos comportar. Ele é nosso modelo e sabemos ser assim porque Ele mesmo nos contou (João 12:44-45): 
E Jesus clamou, e disse: Quem crê em mim, crê, não em mim, mas naquele que me enviou. E quem me vê a mim, vê aquele que me enviou.
Ora, como Jesus se relacionou com Deus Pai? O que seu comportamento ensina? A relação de Jesus com Deus Pai não foi de terror e sim de amor. Ele chamou Deus de “Abba” (Pai), palavra carinhosa usada pelo povo judeu para os/as filhos/as se referirem aos próprios pais quando na intimidade.

Jesus ensinou a não vermos em Deus Pai um Ser irado e punitivo, que governa pelo terror. Afinal, não é isso que um bom pai faz. Um pai digno desse nome conquista o amor, a confiança e o respeito dos/as filhos/as e é por isso que eles/as seguem sua liderança. É por que lemos em Provérbios 23: 26: 
Filho meu, dá-me o teu coração e deleitem-se os teus olhos nos meus caminhos.
Deus quer e espera que sigamos seus caminhos não por medo e sim por amor. Devemos obedecê-lo somente pelo prazer e alegria de fazer sua vontade. Foi assim que Jesus agiu e esse foi o exemplo que nos deixou.

A diferença entre punir por vingança e para corrigir
Mas Deus não pune? É claro que sim, senão Ele seria leniente com o pecado. E, para entender melhor como Deus age, precisamos começar por distinguir dois conceitos diferentes de punição. O primeiro é que seria uma espécie de revanche pelo mal cometido. 

Esse conceito é pouco construtivo e nenhuma sociedade civilizada o pratica. A prisão de um/a criminoso/a, depois de um processo criminal, tem por objetivo tirar a pessoa ofensora do meio da sociedade (e não correr o risco da reincidência), para servir de exemplo (dissuadindo outras pessoas de cometer os mesmos erros) e, finalmente, quando possível, tentar recuperar a pessoa para o convívio social (coisa que quase nunca acontece no sistema prisional brasileiro).

O/a criminoso/a não vai para a cadeia como forma de vingança pelo mal que fizerem, até porque não haveria retribuição possível – por exemplo, como retribuir à altura um assassinato?

O outro conceito de punição objetiva a correção da pessoa. É um meio doloroso e/ou desagradável mas que visa obter um resultado positivo mais adiante (a mudança do comportamento para melhor). Por isso pais corrigem seus filhos, professores/as fazem o mesmo com alunos/as e pastores/as atuam dessa forma com suas ovelhas. E em nenhum desses casos há qualquer ideia de causar sofrimento para retribuição do mal gerado.

Não há dúvida que Deus pune – há vários exemplos na Bíblia disso, como Caim (depois de matar Abel), Moisés (depois de desobedecer a Deus), Davi (quando adulterou com Bate-Seba) e Acabe (por inúmeros crimes cometido durante seu reinado). Mas o objetivo de Deus não foi obter revanche pelo mal feito. Seus objetivos são muito mais nobre: evitar a continuação do mal (caso do rei Acabe), servir de exemplo (caso de Caim e Davi) e ensinar o povo (caso de Moisés).

Mas é o inferno?
Você poderia me perguntar nessa altura como fica a punição eterna (aquela que será paga no inferno)? Será que um Deus capaz de condenar as pessoas dessa forma não deve ser objeto de terror? Para responder essa questão, é preciso entender o que é o inferno e quem acabará lá.

O ponto de partida é o entendimento que todas as pessoas pecam. Todas sem exceção. E que nenhuma delas conseguirá, por seus próprios méritos, encontrar uma forma de se reconciliar com Deus e ser salva – a Bíblia é muito clara a esse respeito.

A única forma de criar uma ponte para atravessar o abismo que separa um Deus santo do ser humano, que é pecador, é a Graça divina. E ela é manifestada no sacrifício de Jesus na cruz. Não há outra forma (João 14:6):
Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.
Mas, por ter o livre arbítrio, o ser humano pode aceitar ou rejeitar esse sacrifício. Jesus morreu por todas as pessoas, mas somente aquelas que reconhecem esse fato, tornam esse sacrifício efetivo. É como se Deus tivesse dado um “cheque” de salvação, assinado por Jesus, para todas as pessoas. Mas, somente aquelas que acreditam haver “fundos” nesse cheque e o depositam no “banco da vida” veem o resultado na sua conta pessoal.

Nesse sentido é fácil perceber que a condenação ao inferno é, na verdade, fruto de uma escolha das próprias pessoas. De certa forma, são elas que se colocam lá, quando decidem não aceitar Jesus. É razoável, portanto, dizer que “as portas” do inferno estão trancadas por dentro.

Quando entendemos isso, desaparece aquela imagem pintada por Jonathan Edwards que apavorou tanta gente. Deus pune é verdade, mas não há juiz mais justo e amoroso que ele. E Ele é capaz de perdoar aquilo que nos mesmos não conseguiríamos. Na verdade, nós somos muito rígidos com quem peca do que Ele. E o caso do profeta Jonas, que ficou irado porque Deus perdoou os pecados do povo da cidade de Nínive, é um bom exemplo disso.

Concluindo, Deus não é leniente e precisamos nos preocupar com os mandamentos e os juízos que Ele faz sobre nossas vidas. Mas Deus não é um Ser irado e punitivo, que vai nos esmagar por conta dos nossos pecados. E a vinda de Jesus ao mundo é a maior prova disso. Deus espera se relacionar conosco através do amor mútuo e do entendimento que isso gera. E graças a Ele por isso. Amém.

Com carinho

Nenhum comentário:

Postar um comentário