domingo, 14 de agosto de 2016

O MACHISMO NÃO ASSUMIDO É O PIOR...

A mídia noticiou fartamente a declaração do atual Ministro da Saúde na qual ele afirmou que o SUS atende mais mulheres do que homens porque eles trabalham mais e assim têm menos tempo para procurar postos de saúde.

Ora, tal afirmação não tem apoio nas estatísticas e acabou criticada por muita gente, inclusive a filha do próprio ministro, Deputada Estadual no RS. Há outras explicações muito melhores para o fato das mulheres procurarem mais os postos de saúde, como gravidez e maior preocupação (em relação aos homens) de cuidar da própria saúde.

O que leva um ministro, que prece ser homem esclarecido, a fazer tal tipo de declaração? A resposta é simples: machismo. E se trata de coisa tão arraigada e sutil que a pessoa nem se dá conta e assim não consegue censurar os próprios atos, acabando surpreendida com a repercussão negativa do que fez, como aconteceu com o nosso ministro.

O combate ao machismo é sempre difícil. E não só porque as pessoas - especialmente os homens - nem se dão conta do problema, tão arraigado ele é. Há outras razões.

Uma delas é o poder que os homens gozam numa sociedade machista - é vantajoso ser homem numa sociedade assim. Eles gozam de maiores e melhores oportunidades profissionais, recebem salários maiores, são servidos pelas mulheres nas suas próprias famílias, sua liberdade sexual é muito maior e assim por diante. 

Como ninguém gosta de abrir mão de vantagens e privilégios, os homens resistem às iniciativas que procuram tornar os direitos e privilégios iguais e combatem as discrepâncias. E as desculpas para essa resistência são as mais esfarrapadas: as mulheres apelam mais para o coração do que para a razão, são fisicamente mais fracas, etc. 

Outra razão para que homens permaneçam numa posição machista é a rejeição ao feminismo. Décadas atrás, um grupo de mulheres se mobilizou par fazer frente a esse problema. A situação era tão desigual e a luta foi tão difícil, que as feministas acabaram por assumir posições excessivamente radicais, como a recomendação das esposas de recusarem sexo aos seus maridos, como arma de luta. 

Esse radicalismo fez com que o movimento feminista acabasse mal visto por boa parte dos homens e até muitas mulheres, inclusive no nosso país, atrapalhando a conquista de certos avanços sociais na direção da maior igualdade entre homens e mulheres.

Mesmo assim, não há como negar que tem sido feitos avanços, mesmo em nosso país, como as Delegacias especializadas em crimes contra as mulheres, a Lei Maria da Penha (que coíbe agressões físicas), a licença maternidade, o direito a pagamento igual aos homens, quando o trabalho realizado for o mesmo, etc.

Mas ainda há muito por fazer, como a declaração do nosso ministro tornou bem patente. E como comprova também a divisão de tarefas nos lares brasileiros, onde as mulheres ainda assumem a maior parte das tarefas domésticas. E principalmente pela sempre presente violência doméstica que vitima diariamente incontáveis mulheres. É preciso avançar muito ainda.

O cristianismo diz em relação a tudo isso? Em termos doutrinários, não há dúvida que o cristianismo defende a igualdade dos seres humanos, independentemente do seu sexo. Veja o que o apóstolo Paulo, tantas vezes criticado por machista (coisa que não era), disse:
Porque todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo. Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. Gálatas capítulo 3, versículos 26 a 28
O significado dessa declaração é claro: não há diferenças, aos olhos de Deus, de quem aceita Jesus. Não importa de que país venha a pessoa, a cor da sua pele, sua condição social e muito menos seu sexo. Todos(as) somos iguais aos olhos de Deus. Simples assim.

E se somos todos(as) iguais, é claro que nossos direitos, inclusive dentro das comunidades cristãs, também devem ser os mesmos. Mas infelizmente não é isso que acontece dentro de muitas denominações cristãs. É como se algumas delas dessem esse direito com uma mão, ao reconhecerem a igualdade de todos perante Deus, e tirassem os mesmo diretos com a outra, quando negam às mulheres, por exemplo, o direito de serem sacerdotes.

Acredito que algumas denominações fazem outra contribuição ainda pior para o machismo: refiro-me à interpretação teológica que dão para o ensinamento de Paulo que o marido deve ser o "cabeça do casal" (Efésios capítulo 5, versículos 21 a 28). Esse mandamento é frequentemente confundido na prática com: "o marido manda e a mulher obedece". 

Alguns ainda tentam aliviar, dizendo que também há mandamento para que os maridos amem suas esposas como a si mesmos, mas a realidade prática permanece mais ou menos essa: a autoridade maior dentro do lar é dos maridos.

Eu não sei se você já teve oportunidade de ler ou ouvir algum estudo ou palestra que apresente interpretações alternativas para esse texto de Paulo. por exemplo, aquele que usa o significado de "cabeça" como o de "início", semelhante ao uso que damos ao falar da "cabeceira" de um rio, referindo-se à sua nascente. E como Jesus foi o início da igreja cristã, portanto essa interpretação merece ser considerada.

Por que nunca é ensinada em escolas bíblicas? Por que nunca é usada em pregações? Acho que você já sabe a resposta...

Defender a liderança inconteste dos homens dentro dos lares, numa sociedade onde as mulheres cada vez mais contribuem para o sustento das suas famílias - em quase 40% dessas famílias, elas são a única ou a maior fonte de renda - parece coisa fora de propósito, somente explicada pelo machismo sutil, não assumido abertamente, ainda presente em nossa sociedade. 

Como cristãos(ãs), precisamos reconhecer a existência do problema e dar nossa contribuição para modificar esse estado de coisas, ensinando principalmente nossas crianças e adolescentes a pensarem e agirem de forma diferente.

Com carinho

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