sábado, 10 de dezembro de 2016

QUEM TEM PODER PARA PERDOAR PECADOS?

Dias atrás, o Papa Francisco surpreendeu o mundo ao mudar as regras que a Igreja Católica adotava até então para lidar com a questão do pecado relacionado com o aborto. De acordo com a regra anterior, esse tipo de pecado, pela sua gravidade, só poderia ser perdoado por um bispo. A partir de agora, os padres passaram a ter tal direito. 

Essa decisão foi muito elogiada, pois caminha no sentido da descentralização do poder dentro da Igreja Católica. E eu não questiono que isso é positivo.

Também reconheço o papel firme que a Igreja Católica tem na questão da condenação do aborto, que infelizmente para muita gente se transformou num em mais um processo para evitar a concepção indesejada, o que é um absurdo. A Igreja Católica não tem se envergonhado em afirmar, alto e bom som, que aborto é pecado e deve ser reconhecida por isso, pois as pressões que sofre para flexibilizar sua posição são muito grandes.

Mas a questão que quero tratar aqui é bem outra e tem a ver com o princípio que está implícito nessa notícia: padres ou bispos, podem perdoar pecados. Será que esse princípio adotado pela Igreja Católica é sancionado pela Bíblia? Acredito que não.

E vou explicar minhas razões, começando por citar um texto do Evangelho de Marcos:
Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico: "Filho, os seus pecados estão perdoados". Estavam sentados ali alguns mestres da lei, raciocinando em seu íntimo: "Por que esse homem fala assim? Está blasfemando! Quem pode perdoar pecados, a não ser somente Deus?" Marcos capítulo 2, versículos 5 a 7
Jesus foi questionado pelos mestres da Lei porque perdoou os pecados de um paralítico. E esse questionamento lhe foi feito porque, segundo o Velho Testamento (por ex. Isaías capítulo 43, versículo 25), somente Deus tem poder para perdoar pecados. Portanto, ao perdoar os pecados de um homem, Jesus se auto-declarou Deus, o que, aos olhos dos doutores da Lei, constituiu uma blasfêmia. 

Ora, se apenas Deus pode perdoar pecados, onde a Igreja Católica busca respaldo para o princípio que adota? A resposta está na seguinte passagem:
Novamente Jesus disse: "Paz seja com vocês! Assim como o Pai me enviou, eu os envio". E com isso, soprou sobre eles e disse: "Recebam o Espírito Santo. Se perdoarem os pecados de alguém, estarão perdoados; se não os perdoarem, não estarão perdoados". João capítulo 20, versículos 21 a 23
Jesus deu aos seus apóstolos o direito de perdoar pecados e a Igreja Católica entende ser herdeira desse mesmo direito. E essa "herança" estaria estabelecida por outra passagem:
"E vocês? ", perguntou ele. "Quem vocês dizem que eu sou? " Simão Pedro respondeu: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo". Respondeu Jesus: "Feliz é você, Simão, filho de Jonas! Porque isto não lhe foi revelado por carne ou sangue, mas por meu Pai que está nos céus. E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não poderão vencê-la. Eu lhe darei as chaves do Reino dos céus. O que você ligar na terra terá sido ligado nos céus, e o que você desligar na terra terá sido desligado nos céus". Mateus capítulo 16, versículos 15 a 19
A interpretação da Igreja Católica é que a chefia da Igreja Cristã foi dada por Jesus a Pedro e como o Papa é o sucessor desse apóstolo, ele tem os mesmos direitos, dentre os quais o de perdoar pecados. E pode transmitir para seus bispos e padres, através da imposição de mãos, os mesmos direitos.

Ora, na construção desse raciocínio há uma série de pressupostos importantes que ficam implícitos, ou seja não estão muito claros. O primeiro é que o direito de perdoar pecados, dado por Jesus aos apóstolos, poderia ser passado por esses a outras pessoas. E a Bíblia não afirma isso em lugar nenhum.

A passagem em que Jesus dá esse direito aos seus apóstolos está inserida no contexto em que Ele os enviou pelo mundo para pregar o Evangelho E é nesse contexto supre especial que esse ato de Jesus deve ser entendido, não havendo nenhuma razão para crer que se estendeu para outras pessoas.

A segunda premissa implícita é que Jesus fez de Pedro o chefe da Igreja cristã. E isso não está expressamente dito no texto bíblico e muito menos encontra sustentação na história. O líder de fato da primeira comunidade cristã, em Jerusalém, foi Tiago, irmão de Jesus, conforme o relato de Atos dos Apóstolos deixa claro - basta notar que Tiago é o último a falar, quando dos debates do primeiro concílio da Igreja (capítulo 15, versículos 12 a 20). Além disso, o apóstolo Paulo foi muito mais importante para o desenvolvimento do cristianismo do que Pedro e sua autoridade espiritual ia ao ponto dele dar broncas em Pedro, como está dito no relato da carta aos Gálatas (capítulo 2, versículos 11 a 21).

Outra premissa implícita absolutamente questionável é o fato do Papa ser o sucessor do apóstolo Pedro. Esse dogma vem do próprio ensinamento da Igreja Católica, não tendo qualquer suporte bíblico.

Concluindo, não há porque afirmar que qualquer ser humano, por melhor e mais desenvolvido espiritualmente que seja, tenha poder para perdoar pecados. Isso não tem respaldo na Bíblia.

Somente Deus tem esse poder e o direito que os apóstolos receberam de Jesus para fazer isso foi algo específico para eles, para o momento em que viviam.

Com carinho

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